Procurar livros:
    Procurar
Procurar livro na nossa biblioteca
 
 
Procurar autor
   
Procura por autor
 
marcador
  • Sem marcador definido
Marcador
 
 
 

Capítulo 11: XI - O subterrãneo

Página 105

Apenas, lacerado dos açoutes e manando sangue das costas, escapara das mãos dos cavalariços e pajens, Dom Bibas fora esconder na espécie de covil, em que vivia, a sua dor e vergonha. Era um pesadelo, um delírio aquilo por que passara: era monstruoso e incrível. Posto às varas como um servo, ele homem livre; ele tão mimoso de seu bom senhor D. Henrique! As lágrimas correram abundantes por essas faces habituadas de longos anos unicamente às contracções das visagens truanescas. As lágrimas, porém, nem o consolaram, nem bastavam à sua desesperação. Depois de se rolar pelo chão mordendo os punhos cerrados, o bufão assentou-se a um canto, como o lobo cerval colhido no fojo, cansado de lidar em vão por salvar-se. Todo o fel, que o rir forçado de tanto tempo lhe fizera, por assim dizer, absorver e calcar no coração, achou enfim um resfolgadouro no ódio implacável que a dolorosa e terrível afronta recebida lhe gerara lá dentro. O pensamento da vingança alcançara o que não haviam obtido as lágrimas: Dom Bibas sentia agora que ainda havia para ele consolação e esperança.

Mas como vingar-se? Ignorava-o. Juraria contudo que Belzebu lhe dizia ao ouvido: «Pensa bem; que hás-de atinar com o caminho que buscas.» Quem deixou de achar meios neste mundo para satisfazer paixões más?

Maquinalmente Dom Bibas despira as roupas variegadas de folião, e vestindo um simples trajo de escudeiro, galgara as escadas do paço. Na confusão que reinava na sala do banquete ninguém o conheceu. Girando de uma para outra parte ele cogitava no modo por que poderia obedecer ao pensamento irresistível que o agitava. A esperança de que a festa terminasse, segundo o costume, por completa embriaguez em que o sangue corresse, e que talvez no meio da desordem alcançasse aproximar-se do conde, lhe sorriu um momento. Então pensava lá consigo como uma boa punhalada pagaria a dívida do truão ao nobre senhor! Mas arriscava-se a errar o golpe, e ele precisava da vida até obter completa vingança. Também pela cabeça desvairada do chocarreiro passou a ideia de envenenar a taça ou copo por onde Fernando Peres havia de beber.

<< Página Anterior

pág. 105 (Capítulo 11)

Página Seguinte >>

Capa do livro O Bobo
Páginas: 191
Página atual: 105

 
   
 
   
Os capítulos deste livro:
I - Introdução 1
II - Dom Bibas 8
III - O Sarau 18
IV - Receios e esperanças 27
V - A madrugada 38
VI - Como de um homenzinho se faz um homenzarão 45
VII - O homem do zorame 59
VIII - Reconciliação 66
IX - O desafio 80
X - Generosidade 90
XI - O subterrãneo 97
XII - A mensagem 110
XIII - A boa corda de cânave de quatro ramais 123
XIV - Amor e vingança 141
XV - Conclusão 157
Apêndice 173