Tal é o carácter das almas vingativas que, se nas mais graves situações da vida se lhes oferece o ensejo de uma vingança mesquinha, seguem este ensejo com o mesmo ardor que empregam naquilo a que estão ligados os seus mais importantes interesses. A ideia de atormentar Egas, o pupilo querido do odioso senhor de Cresconhe, e de achar talvez na revelação do amor do mancebo pretexto para faltar à fé que devia a um mensageiro indefeso, por isso mesmo que era uma ideia vil e maligna, se lhe tornava numa espécie de deleite e remanso no meio da tempestade que lhe agitava o ânimo.
Entrando na sala, onde o conde, em pé e rodeado dos mais ilustres barões, o esperava, o trovador se dirigiu para ele com passo seguro e gesto altivo. Parou, fazendo uma leve inclinação de cabeça: depois, mirando em roda, os seus olhos se encontraram com os do alferes-mor, cujo cargo o lugar que ocupava junto ao conde suficientemente indicava. Tanto os de um como os do outro pareceram lampejar: abaixaram-nos ao mesmo tempo. O rosto de Garcia Bermudes empalideceu: ao de Egas subiu a vermelhidão da cólera. «O ódio de Garcia Bermudes é mais profundo – pensou Fernando Peres, que os observara. – E com razão, ele é o desprezado.» As suas suspeitas realizavam-se.
Imóvel, calado, e alçando de novo os olhos para os fitar no conde de Trava, Egas Moniz esperava que este o mandasse falar.
– Dói-me, senhor cavaleiro – disse o conde –, que os paços de Guimarães vos não possam receber como hóspede e amigo. Má demanda vos traz aqui por mensageiro de rebeldes, se não é que em nome deles vindes implorar a piedade da mui excelente rainha de Portugal, que me ordenou recebesse vossa mensagem.