Devemos crer, ao menos piamente, que o conde Henrique, na época em que alevantou o Castelo de Guimarães, não lançou nos fundamentos do seu edifício soberbo um cárcere seguro e vasto com os intuitos de rapina que guiavam o comum dos senhores nestas tristes edificações. Ainda que algum documentinho de má morte provasse o contrário cumpria-nos pô-lo no escuro, ou contestar-lhe francamente a autenticidade, porque o conde foi o fundador da monarquia, e a monarquia desfunda-se uma vez que tal cousa se admita. Assim é que se há-de escrever a história, e quem não o fizer por este gosto, evidente é que pode tratar de outro ofício.
Fossem, porém, quais fossem os motivos do conde, o certo é que não lhe esquecera o construir nas raízes daquelas torres e muralhas uma forte masmorra, cujo pavimento ficava inferior ao fundo do fosso lançado entre as barbacãs e as quadrelas do muro. Este lugar húmido e malsão apenas recebia a ténue claridade de duas troneiras que davam para a cárcova. Dentro, uma escada de pedra fechada no alto com um alçapão chapeado de ferro conduzia à escada superior da torre. Ao lado via-se um potro, do qual estavam pendurados alguns tagantes ou açoutes de couro cru, cordas e mais aparelhos de tratos. Defronte uma polé pendente de grossa argola cravada na abóbada, e distante apenas da parede dois ou três palmos, oscilava quase imperceptivelmente com os golpes de vento que murmuravam pelas altas frestas ou troneiras. De um pilar grosseiramente afeiçoado, que sustinha ao meio da quadra o fecho da abóbada, saíam alguns grilhões ferrugentos, chumbados na pedra. Estes grilhões eram, como uma sangria em caso de apoplexia fulminante o é na medicina, um luxo de ciência de carcereiro, ou antes um pleonasmo mais intolerável que todos aqueles que costumam votar à execração pública os gramáticos e retóricos. Cadeias em tão seguro cárcere eram absolutamente inúteis, e de feito bem se mostrava que ali tinham sido postas como simples adereço e casquilharia de terror.