Um largo poial encostado ao pilar e coberto de uma pouca de palha meia podre formava, com os instrumentos de martírio, todo o adorno da masmorra. Deviam contentar-se desse escabelo para se assentarem, desse leito para dormirem, os habitantes desta melancólica morada. E com razão: onde o exercício dos membros só podia ser feito nas dores e angústias dos tratos, era leito de repouso a lajem fria do poial, e a palha já fétida, que o cobria, fofo almadraque de penas.
Um cavaleiro, cuja qualidade se conhecia pelas esporas douradas, que ainda conservava afiveladas sobre os balegões, e pelo cinto de prata que lhe apertava o brial, estava aí assentado. Parecia cogitar profundamente. Quedo, com os cotovelos firmados sobre os joelhos e as faces entre os punhos, o vento, que redemoinhava pela espaçosa quadra, ondeando-lhe os cabelos desordenados lhe fazia cair sobre o rosto algumas madeixas que lho encobriam. Um soluçar comprimido era o único sinal de vida que se lhe percebia: no mais, a sua imobilidade assemelhava-se à de um cadáver.
O Sol inclinava-se para o poente. Os seus raios dourados roçando pela borda do fosso vinham, através de uma das troneiras, pintar um pequeno círculo avermelhado no pavimento da masmorra aos pés do preso, em cujo rosto batia a claridade pálida refrangida da lajem branca. A luz do dia, ao desaparecer, como que se dobrava para afagar e beijar o desgraçado, que talvez não a tornaria a ver. Dir-se-ia que os raios do Sol se prendiam aos cabelos louros do mancebo onde folgavam cintilando trémulos, e que pediam àqueles olhos mortais e meio cerrados o último olhar de saudade com que o homem costuma despedir-se do astro esplêndido, quando ele se vai mergulhando na extremidade do horizonte.