Procurar livros:
    Procurar
Procurar livro na nossa biblioteca
 
 
Procurar autor
   
Procura por autor
 
marcador
  • Sem marcador definido
Marcador
 
 
 

Capítulo 14: XIV - Amor e vingança

Página 145

E Egas, porque era ele, parecia aspirar o ruído longínquo dos ginetes de Afonso Henriques precipitando-se para os muros de Guimarães; mas nos seus ouvidos apenas sussurrava aquele zumbido duvidoso que se crê escutar no meio de completo silêncio. Então atirou consigo de novo ao poial, e alevantou os punhos cerrados para o céu com um gesto indizível de desesperação. Depois os braços descaíram-lhe, a fronte pendeu-lhe sobre o peito, e as lágrimas que revia o seu coração, queimadas pelo fogo que lhe lavrava lá dentro, secaram de todo. Uma lembrança suave de amor convertera a agitação da amargura na triste e ainda mais dolorosa tranquilidade do desalento.

– Dulce, Dulce, nunca mais te verei! – murmurou o mancebo. – Se ao menos pudesse dizer-te que te amei leal e puro até o meu último dia, e que este amanheceu porque viu cumprir, como cumpri todas, a minha derradeira promessa! Se eu pudesse antes de deixar a Terra antever o céu a teus pés!... Mas entre ti e mim estão estas pesadas abóbadas, que me esmagam o coração; e a minha voz não as pode romper para te chamar, para te repetir mil vezes que morro porque te amava como mulher nenhuma foi amada! Dulce, Dulce, nunca mais te verei!

E o desditoso, caindo de bruços sobre a palha imunda e fétida do calabouço, arquejava violentamente.

Naquela postura, exaustas as forças da alma, o trovador se conservou horas largas. À vista dos homens, ele saberia esconder o seu delírio e morrer com firmeza, mas, na solidão, a saudade de uma existência cheia de amor e de esperanças, a vergonha de suplício afrontoso, e o temor da morte lhe não consentiam velar-se diante de si próprio com a máscara que a vaidade e o orgulho põem na face humana ainda nas mais terríveis situações, para que a vida seja uma contínua farsa, da qual o coração é o actor mentiroso desde o berço até ao sepulcro.

<< Página Anterior

pág. 145 (Capítulo 14)

Página Seguinte >>

Capa do livro O Bobo
Páginas: 191
Página atual: 145

 
   
 
   
Os capítulos deste livro:
I - Introdução 1
II - Dom Bibas 8
III - O Sarau 18
IV - Receios e esperanças 27
V - A madrugada 38
VI - Como de um homenzinho se faz um homenzarão 45
VII - O homem do zorame 59
VIII - Reconciliação 66
IX - O desafio 80
X - Generosidade 90
XI - O subterrãneo 97
XII - A mensagem 110
XIII - A boa corda de cânave de quatro ramais 123
XIV - Amor e vingança 141
XV - Conclusão 157
Apêndice 173