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Capítulo 14: XIV - Amor e vingança

Página 144

E parecia que esta linguagem misteriosa achava no coração do cavaleiro uma dessas harmonias inexplicáveis que Deus estabeleceu entre a natureza e o homem no grande concerto do universo. Afastou os cabelos da fronte: depois pôs os olhos no sol, e um sorriso quase imperceptível lhe fulgurou através do véu de melancolia profunda que se lhe estendia sobre as faces, como através do sudário delgado unido a um corpo morto parece às vezes haver um rápido movimento de vida, que cessa no mesmo instante em que a vista pretende fixar essa ilusão passageira.

O mancebo alevantou-se, cruzou os braços e ficou por algum tempo com os olhos fitos na troneira iluminada. Finalmente levou a mão à fronte, e os seus passos vagarosos soaram de um para o outro lado do calabouço. Pouco a pouco os lábios agitaram-se-lhe como a superfície do mar que se encrespa aos primeiros sopros da procela. A tempestade acumulada naquela alma rebentou por fim dolorosa e terrível:

– Oh! – exclamou ele – como a vida é rápida e ao mesmo tempo eterna para o que sabe que vai morrer! Eternidade pelo infinito dos pensamentos que passam tumultuosos no espírito do condenado; rapidez pela ligeireza com que para ele se encaminha a hora tremenda! E que importa? Aqui entre injúrias, como um vil criminoso; no Oriente, misturando o sangue com a terra que bebeu o do Salvador, lá fora dessas muralhas, em nobre lide de cavaleiros; tudo é morrer! Que importa?... – E depois com um brado de agonia como respondendo a si mesmo: – Muito, muito! porque amo; porque a vida é doce para mim por ela! porque a morte ignominiosa é ignomínia para a amante do homem que expirou em suplício infame. Um cavalo e uma espada! Que me dêem um cavalo e uma espada, e depois dez, vinte, cem guerreiros que me acometam, que me despedacem ferindo-me a um tempo! Cairei com honra! Dirão dela: «Eis a que amava um cavaleiro de esforço que bem soube morrer!...» Ao menos assassinai-me aqui!... nos tratos... como vos aprouver... mas não mancheis de opróbrio a minha hora derradeira!... Infante de Portugal, infante de Portugal! vem salvar-me! olha que querem cobrir de infâmia o teu Egas!

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pág. 144 (Capítulo 14)

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Capa do livro O Bobo
Páginas: 191
Página atual: 144

 
   
 
   
Os capítulos deste livro:
I - Introdução 1
II - Dom Bibas 8
III - O Sarau 18
IV - Receios e esperanças 27
V - A madrugada 38
VI - Como de um homenzinho se faz um homenzarão 45
VII - O homem do zorame 59
VIII - Reconciliação 66
IX - O desafio 80
X - Generosidade 90
XI - O subterrãneo 97
XII - A mensagem 110
XIII - A boa corda de cânave de quatro ramais 123
XIV - Amor e vingança 141
XV - Conclusão 157
Apêndice 173