E parecia que esta linguagem misteriosa achava no coração do cavaleiro uma dessas harmonias inexplicáveis que Deus estabeleceu entre a natureza e o homem no grande concerto do universo. Afastou os cabelos da fronte: depois pôs os olhos no sol, e um sorriso quase imperceptível lhe fulgurou através do véu de melancolia profunda que se lhe estendia sobre as faces, como através do sudário delgado unido a um corpo morto parece às vezes haver um rápido movimento de vida, que cessa no mesmo instante em que a vista pretende fixar essa ilusão passageira.
O mancebo alevantou-se, cruzou os braços e ficou por algum tempo com os olhos fitos na troneira iluminada. Finalmente levou a mão à fronte, e os seus passos vagarosos soaram de um para o outro lado do calabouço. Pouco a pouco os lábios agitaram-se-lhe como a superfície do mar que se encrespa aos primeiros sopros da procela. A tempestade acumulada naquela alma rebentou por fim dolorosa e terrível:
– Oh! – exclamou ele – como a vida é rápida e ao mesmo tempo eterna para o que sabe que vai morrer! Eternidade pelo infinito dos pensamentos que passam tumultuosos no espírito do condenado; rapidez pela ligeireza com que para ele se encaminha a hora tremenda! E que importa? Aqui entre injúrias, como um vil criminoso; no Oriente, misturando o sangue com a terra que bebeu o do Salvador, lá fora dessas muralhas, em nobre lide de cavaleiros; tudo é morrer! Que importa?... – E depois com um brado de agonia como respondendo a si mesmo: – Muito, muito! porque amo; porque a vida é doce para mim por ela! porque a morte ignominiosa é ignomínia para a amante do homem que expirou em suplício infame. Um cavalo e uma espada! Que me dêem um cavalo e uma espada, e depois dez, vinte, cem guerreiros que me acometam, que me despedacem ferindo-me a um tempo! Cairei com honra! Dirão dela: «Eis a que amava um cavaleiro de esforço que bem soube morrer!...» Ao menos assassinai-me aqui!... nos tratos... como vos aprouver... mas não mancheis de opróbrio a minha hora derradeira!... Infante de Portugal, infante de Portugal! vem salvar-me! olha que querem cobrir de infâmia o teu Egas!