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Capítulo 14: XIV - Amor e vingança

Página 147

E então ele despedaçava entre as mãos confrangidas os punhados daquela palha húmida do seu leito de pedra; e os dentes rangiam-lhe em longo espasmo, que terminava por suor frio manando-lhe em bagas da fronte.

Quantas vezes ele na sua desesperação acusaria a Providência por o haver tornado o maior dos infelizes! E contudo uma agonia que valera por todas as outras ainda não viera roer-lhe o coração. As toadas que haviam alegrado por algum tempo a noite da sua alma partiam das salas iluminadas dos paços, onde em banquete esplêndido o conde e a rainha celebravam as bodas da real pupila e herdeira dos Bravais com Garcia Bermudes, o nobre alferes-mor de Portugal. E ele não o sabia!

O som dos instrumentos começara a ouvir-se de novo, quando por cima daquelas melodias vibraram brados agudos mas longínquos, que pareciam o grito de alarma de esculcas que se punham sucessivamente de sobreaviso. Estes brados aproximavam-se cada vez mais, até que restrugiram nas barbacãs, depois nos andaimos das quadrelas, depois nos eirados das torres. Repetidos por muitas vozes, conglobados numa grita confusa e indistinta, formavam um ruído medonho, mas, para o cavaleiro que maquinalmente se pusera a escutá-los, ininteligível.

Para alguém, todavia, a significação deste bradar fora bem clara e distinta. Uma almenara se acendeu subitamente no cimo da torre alvarrã, e pouco tardou que as outras torres lhe correspondessem acendendo as suas. O trovador não as via; mas a luz avermelhada dos fachos resinosos, jorrando do alto, caiu obliquamente no fundo encharcado do fosso e reflectiu-se pelas troneiras na abóbada da masmorra. Do meio das trevas, recalcadas por essa claridade frouxa para o pavimento da quadra, Egas distinguia a argola brilhante da polé, semelhante ao olho reluzente de um demónio, que mirava atento o pobre cativo como se lidasse por enxergá-lo nas trevas.

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pág. 147 (Capítulo 14)

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Capa do livro O Bobo
Páginas: 191
Página atual: 147

 
   
 
   
Os capítulos deste livro:
I - Introdução 1
II - Dom Bibas 8
III - O Sarau 18
IV - Receios e esperanças 27
V - A madrugada 38
VI - Como de um homenzinho se faz um homenzarão 45
VII - O homem do zorame 59
VIII - Reconciliação 66
IX - O desafio 80
X - Generosidade 90
XI - O subterrãneo 97
XII - A mensagem 110
XIII - A boa corda de cânave de quatro ramais 123
XIV - Amor e vingança 141
XV - Conclusão 157
Apêndice 173