O Bobo - Cap. 14: XIV - Amor e vingança Pág. 148 / 191

De repente uma estrupida de cavalos, um tinir de espadas roçando por armaduras, a princípio de poucos, depois de mais, depois de muitos, veio distrair a atenção do trovador que, fascinado por aquele olhar maldito da polé, não despregava dela a vista. Este novo ruído soava da banda do portal do castelo, e à luz triste das almenaras Egas viu passar como sombras além do fosso um fio de cavaleiros, que despegando ao que parecia da ponte levadiça se dirigiam ao burgo. Era uma cena rápida e fantástica o coriscar contínuo e fugitivo dos capelos de ferro e das lanças aprumadas, e o desaparecer dos meios corpos dos homens de armas, que a aresta da cárcova apenas deixava descortinar. Aquela linha de vultos negros e lampejantes precipitava-se para as barbacãs.

Uma esperança duvidosa alumiou então a alma do cavaleiro. O bradar das atalaias, o repentino arrojo dos homens de guerra anunciavam um perigo iminente; e que outro seria este perigo que não fosse a aproximação do infante?... Pela mente de Egas passou uma ideia refrigerante de liberdade e de vida. Alevantou as mãos ao céu, e as lágrimas lhe borbulharam dos olhos, até aí enxutos, ao murmurarem seus lábios: «Meu Deus, tu podes salvar-me! Salva-me, se não da morte, ao menos da ignomínia.»

Mas quando se lembrou de que a noite correria sem combate, enquanto talvez não passasse sem que o desejo de vingança atroz se realizasse; quando reflectiu que o receio dos esculcas porventura fora vão, e que até mil outros sucessos podiam dar motivo àquela revolta, a ideia de salvação desfez-se de novo no espírito do prisioneiro, que um momento vacilara na certeza do suplício.





Os capítulos deste livro