O Bobo - Cap. 14: XIV - Amor e vingança Pág. 149 / 191

Encostando-se outra vez na sua dura jazida, Egas sentiu alongar-se a estrupida dos cavaleiros e voltar tudo gradualmente ao anterior silêncio, no meio do qual a claridade das altas almenaras, refrangida nas guardas da cárcova, penetrava no calabouço, como em igreja deserta os raios da luz das tochas penetram pelas juntas mal unidas do ataúde à roda do qual ardem os brandões gigantes. Às vezes dentro do ataúde há ainda vida, como a havia no negro calabouço; mas o que aí faltava, como na tumba da igreja, era um raio de esperança.

Passara mais de uma hora. A calada da noite fora apenas interrompida por algum raro correr de ginete atravessando a ponte levadiça, e pelo sussurro do falar e mover de muitos homens para o lado do burgo; sussurro quase imperceptível, mas que às vezes estrepitava como um trovejar ao longe. Então o cavaleiro escutava aquele som confuso como o enfermo que se revolve em seu leito e crê achar alívio nessa mudança de situação.

Foi numa destas ocasiões, em que o remoto ruído suão era mais perceptível, que uma pequena porta sumida em um canto obscuro do cárcere começou a abrir-se mansamente, e deu passagem a alguém que descia para aquele tenebroso aposento.

Era um vulto de mulher. Alvejavam-lhe as roupas flutuantes à luz de uma tocha que trazia na mão, e os seus passos, posto que rápidos, pareciam vacilar descendo àquela espécie de voragem. Cingia-lhe a cabeça uma grinalda de flores e trajava as galas todas de uma noite de sarau; mas as suas faces eram pálidas como as da virgem morta que, também engrinaldada a fronte, deitam no seu ataúde.

Já tinha dado alguns passos na vasta quadra, quando o trovador, cujo olhar fora atraído pelo clarão da tocha, bradou com um grito de alegria e pasmo impossível de descrever:

– Dulce!

Era ela de feito.

O prisioneiro correu para a donzela e exclamou com voz afogada:

– Oh minha Dulce!... Deus ouviu-me... quis que ainda uma vez te visse na Terra... quis suavizar-me este longo morrer!





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