– Tudo por ti, menos a infâmia – interrompeu Dulce, com resolução sobre-humana, pegando na tocha que ardia no chão e retirando- se para a porta oculta. – Morrerás... mas eu não tardarei após ti... Num mundo melhor tu me farás justiça!...
Não pôde dizer mais nada, e desapareceu no vão escuro da porta, que se fechou atrás dela. Um grito doloroso foi o que então se ouviu; e depois profundo silêncio. Os joelhos de Egas curvaram-se debaixo dele, e encostou-se arquejando sobre os degraus da escada. Tinha acabado tudo para o desgraçado. Daria a alma aos demónios para ver diante de si Garcia Bermudes naquele momento, porque sentia devorá-lo a raiva de um tigre. O sangue do seu rival fora um refrigério para a febre que o consumia. A sua existência era um pesadelo monstruoso, um caos de dor e desesperação. Com os punhos cerrados, ameaçando o céu, bradou:
– Providência... mentira! – Então, como aterrado da blasfémia, cobriu o rosto com as mãos e murmurou: – Perdão, meu Deus! – As lágrimas rompiam-lhe violentas. Um instante mais que elas tardassem aquele coração teria deixado de bater para sempre.
Poucos minutos, porém, haviam passado quando um ruído de cadeias, acompanhado de ranger de quícios, soou por cima da cabeça do cavaleiro. Maquinalmente ele alçou a cabeça: o pesado alçapão de carvalho chapeado de ferro alevantava-se lentamente e, quando rodou de todo, a luz brilhante de dois fachos jorrou pela escada e alumiou parte da masmorra. Dois homens de armas estavam no alto da escada com os fachos nas mãos, e um monge negro, que aparecia no meio deles, começou a descer a escada. O trovador pôs-se em pé e, estremecendo involuntariamente, recuou. O monge com o rosto sumido no capuz, e movendo-se compassadamente, era uma aparição sinistra.