Os habitantes do burgo, correndo a indagar a causa do terrível espectáculo que presenciavam, sentiram misturarem- se lá no alto as aclamações ao infante com os gritos e gemidos dos que morriam. A ponte levadiça ergueu-se entretanto, e os burgueses olhando de novo para os muros viram-nos povoados de homens de armas, em vez de besteiros, e hasteada na torre de menagem a signa de Afonso Henriques. O silêncio tinha lá em cima substituído os gritos de contentamento e de agonia. Então um som estranho lhes chamou a atenção. Olharam. Em uma das troneiras do cárcere do alcaide o truão do paço, com os braços estendidos fora das grades, batia as palmas, e viam-se-lhe reluzir os olhos e alvejar os dentes no meio de gargalhadas estrondosas. Por baixo da troneira um dos atalaias precipitados das ameias, atravessado de golpes, lutava nas ânsias da morte e se revolvia na água lodacenta da cárcova, a qual tingia com o próprio sangue. O bobo olhava para o besteiro com a voluptuosidade sangrenta de uma besta-fera. Era o cavalariço do conde que o havia açoutado.
Daí a pouco Dom Bibas calou-se retirando-se da troneira subitamente; mas não tardou a aparecer de novo correndo pelos adarves e debruçando-se pelos eirados, donde fazia visagens insolentes aos burgueses que olhavam para lá admirados. Os poucos que entre estes eram parciais do conde boa vontade tiveram de lhe enviar alguns tiros de besta: um caso, porém, inesperado veio divertir-lhes a atenção. As portas da Igreja de S. Salvador abriram-se de par em par e dentro ouviu-se o som do melodioso órgão, enlevo das damas da corte da bela infanta, e o canto dos monges, que entoavam as orações do ritual antigo para chamar a bênção do céu sobre a cabeça do príncipe que devia voltar vencedor dos seus inimigos.
A revolta começava no burgo pela liturgia monástica. Não havia dúvida de que Fr. Hilarião tornara ao mosteiro, porque a voz fraca e trémula do velho abade entoara as palavras do salmo Deus se compadece de nós – e os quíries dos outros monges haviam após isso reboado no templo e sido interrompidos novamente por Fr. Hilarião, que cantava: Levanta-te, oh Senhor – ao que os seus confrades respondiam na toada solene do canto gregoriano.