O Bobo - Cap. 15: XV - Conclusão Pág. 167 / 191

Inútil é dizer ao leitor quem era a dona que entrara: ele o adivinhou já. Dulce obedecera à mensagem de seu marido e senhor sem alegria e sem mágoa, sem confiança e sem receio, sem querer recordar-se do passado, sem pensar no futuro. A sua alma tinha-se abstraído da vida: as suas acções eram uma espécie de sonambulismo, ou antes os movimentos involuntários de um cadáver galvanizado. A solidão da igreja, os medos da noite, a presença de um morto não acharam já naquele coração triturado um sentimento de terror que despertassem. Voltou-se para o pajem e com voz sossegada disse-lhe:

– Meu senhor ainda não veio. Ide esperá-lo lá fora, e quando chegar dizei-lhe que Dulce cumpriu à risca, sem réplica e sem tardança, a sua mensagem. Ele foi quem tão-somente se demorou.

E o pajem saiu; e Dulce ficou em pé, com os braços pendentes e os olhos fitos na tumba: os seus joelhos não se dobravam, porque o orar não lhe traria a consolação. Nas desditas comuns da existência o espírito busca a Deus; mas a suma desventura é ímpia e incrédula, mais que a plena felicidade.

Também ser-lhe-ia impossível orar. Ouviu uns passos que davam nas lajens um som metálico. O recém-vindo encaminhava-se para ali vagarosamente. Dulce não mostrou um só indício de susto: despregou os olhos do féretro e cravou-os no desconhecido, com semblante sereno.

O cavaleiro chegou ao pé da nobre dama. Ela sentiu a sua luva de ferro segurar-lhe o braço; mas a mão que o segurava não sentiu esse braço tremer. Conduziu-a até à borda da tumba, e parando apontou para esta.

– Dorme o sono do verdadeiro repouso – disse Dulce sorrindo. – Quem me dera dormi-lo também! Mas para que me trazeis aqui? Quem sois vós que vos atreveis a pôr mãos na mulher do alferes- -mor de Portugal, que espera no lugar por ele aprazado a vinda de seu marido?





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