O Bobo - Cap. 15: XV - Conclusão Pág. 169 / 191

– Nem eu lhe perdoo, nem Deus se amerceará dele – atalhou o cavaleiro com um sorriso atroz. – Não! Para ele não há céu nem esperança. Morreu impenitente e maldito. Digo-to eu que o matei. Ouves, mulher de Garcia? Fui eu que o matei! Era uma lide medonha! medonha! Jogávamos alma e corpo. Quando um golpe me rompia as armas, eu sentia o seu ódio implacável viver ainda no gume do ferro que me sulcava os membros: ele devia sentir viver-me ódio nos fios da minha acha de armas. Teu marido, mulher do estrangeiro, perdeu o lanço: vacilou e caiu. Não me peças que ajoelhe agora: ajoelhei então sobre o peito dele que arquejava... Foi para o assassinar! Era um ajuste entre nós... ajuste feito sem palavras; porque de palavras não se precisava aí. Viúva do aragonês, amaldiçoa o assassino de teu marido, e não rezes pelo condenado: as portas do inferno não se abrem com orações. Trocou o leito do noivado pelo dos tormentos eternos aquele a quem te prostituíste: deixa-o lá repousar, e não mistures um pensamento do céu na abominação da nossa existência.

O respirar de Dulce era agitado, e o rubor febril tingiu-lhe as faces enquanto o cavaleiro falou; depois empalideceu pouco a pouco, e em tom quase imperceptível respondeu:

– Deus te recompense, Egas, pelo bem que me fizeste com essas palavras! A tua imagem estava gravada na minha alma pura, santa, formosa: era um laço indissolúvel, o último laço que a prendia ao meu negro viver. Debaixo da lousa não podia vê-la e adorá- -la, porque lá o dormir não tem sonhos. Turbaste essa imagem com o lodo de um assassínio; com a tua primeira covardia. Posso agora morrer. Só te peço que te afastes para te eu não ouvir nem ver... Deixa-me expirar abraçada com a memória do passado, com a lembrança do nosso amor inocente; deixa-me até ao fim amar o meu Egas; deixa-me esquecer de ti, que não és já ele! Egas, meu querido Egas... afasta daqui este homem vil e perverso, que ousa dar à tua Dulce o nome de mulher perdida!... Vem... oh, vem... meu Egas!





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