E a mal-aventurada, delirante já, estendia os braços para a imagem de Egas, que ela via diferente do que tinha ante si. Era o seu anjo-da-guarda que se librava nas asas de fogo para guiar aquele espírito tão belo e meigo a refrigerar-se de tantos martírios no oceano das consolações eternas.
– Oh, tu amas-me ainda! – bradou o cavaleiro com alegria frenética e selvagem. – Bem! Levantar-se-á uma barreira de bronze entre mim e ti, que aniquile o derradeiro clarão da esperança, se me conheces tão mal, que ainda na alma te possa restar um vestígio de esperança. Morrer! Tens razão! A minha amante poluída não pode ficar na Terra. O sepulcro é o crisol que te há-de tornar pura. Morre, que eu te seguirei em breve. Estas últimas palavras restrugiram como um dobre nos ouvidos de Dulce. O cavaleiro afastou-se rapidamente, e chegando ao cruzeiro gritou:
– Eis-me aqui, meus irmãos!
O altar-mor iluminou-se de súbito: os monges saíram dos seus estalos onde pareciam adormecidos. Aquelas duas fitas negras ondearam movendo-se para os cancelos abertos de par em par. O cavaleiro entrou e, por meio das duas fileiras de frades, aproximou-se do altar, junto do qual o velho abade rezava as orações marcadas no ritual beneditino para uma profissão monástica.
Acabadas estas, o órgão rompeu umas toadas tristes, e os coros de monges rezaram sucessivamente os sete salmos penitenciais.
Depois seguiram-se mais orações murmuradas com voz débil por Fr. Hilarião sobre a cabeça de Egas curvado ao pé do altar.