O Bobo - Cap. 16: Apêndice Pág. 177 / 191

Poucos momentos eram passados quando o postigo do castro se abriu de novo e vomitou de si, através do passadiço que assoberbava a barbacã, um touro furioso. Num relance o touro achou-se no meio da extensa liça, parou e olhou em roda bufando e escarvando a terra que lançava para o dorso. Depois de hesitar algum tempo na escolha das vítimas, galgou para os cavalariços, os quais sustinham a custo os mastins que haviam saudado a fera com um tremendo ladro. Quando o possante animal chegou a meia distância do espaço que o separava dos seus naturais inimigos, as trelas tinham caído no chão e os irritados molossos precipitavam-se a encontrá-lo. O valente animal soltou um longo mugido e abaixou a fronte, como se tentasse escondê-la na nuvem de pó que os cães, estacando, tinham tornado mais densa. Do meio do turbilhão viu-se de repente subir ao ar um vulto enovelado que foi cair a curta distância. Era o cadáver de um dos mastins. A cabeça do touro tinha surgido dentre o pó: o sangue tingia-lhe uma das pontas, gotejava-lhe sobre as roscas do rosto negro, e vinha listrar-lhe a escuma dos beiços trementes. Um clamor uníssono de aplausos rompeu dos dois estrados e dentre a turbamulta apinhada em volta da teia.

Como que excitados pelo entusiasmo dos espectadores, os cães, que por um instinto natural de conservação haviam recuado, arremessaram-se ao vencedor, o qual abaixando de novo as terríveis armas, recomeçou a escarvar a terra. A rápida cena que tinha suscitado aqueles estrondosos aplausos repetiu-se então com rapidez ainda maior. Segundo mastim foi cair semimorto na arena; mas os mugidos do touro haviam-se convertido em urros de desesperação. Rompendo do lugar onde repelira imóvel a agressão dos seus adversários, tentava erguer novamente a fronte ameaçadora. Debalde. Um dos mais corpulentos mastins cravara-lhe os dentes numa das orelhas felpudas enquanto outro lhe cruzava as presas no beiço superior unindo-as como um aro de ferro. O sangue do bruto enraivecido misturava-se com o das suas vítimas, e o peso dos corpulentos molossos curvava-lhe para o chão a cabeça. Arqueando o dorso, o touro galgou então para diante arrastando os mastins que, sem desaferrar, se rojavam no pó. De roda dele, pendurados da cauda, do ventre, filados aos curvilhões, assemelhavam-se a um tropel de demónios. A irritação do bruto possante parecia ter-se convertido na demência da desesperação.





Os capítulos deste livro