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Capítulo 3: III - O Sarau

Página 20

O tédio e o cansaço não tardariam a separar aquela companhia lustrosa, que parecia esquecer nos braços do deleite que tudo ao redor dela, no castelo e no burgo, anunciava as tristezas da guerra e os riscos dos combates. De feito, já nos reais aposentos da bela infanta de Portugal muitos dos ricos-homens e infanções, apinhados aos cinco e seis, aqui e acolá, ou encostados aos balcões da sala de armas, começavam a falar com viva agitação dos sucessos do tempo. As donzelas iam assentar-se nas almadraquexas enfileiradas junto da parede no topo da sala, onde se erguia, cousa de um pé acima do pavimento, o vasto estrado da infanta. Esta, na sua cadeira de espaldas, escutava Fernando Peres, que, firmando a mão no braço da cadeira, e curvado para ela por detrás do espaldar, com aspecto carregado, parecia dirigir-lhe de quando em quando palavras breves e veementes, a que D. Teresa, que não saíra do seu lugar desde o começar do sarau, respondia muitas vezes com monossílabos, ou com um volver de olhos em que se pintava a angústia, desmentindo o sorriso forçado que, frouxo e passageiro, lhe adejava nos lábios. Junto ao topo do estrado, do lado esquerdo da infanta, um jovem cavaleiro em pé falava também em voz baixa com uma formosa donzela, que, reclinada na última almadraquexa, respondia entre risadas aos ditos do seu interlocutor. E todavia no gesto do cavaleiro, na vivacidade das suas expressões, no seu olhar ardente se revelava que as respostas alegres da donzela desdiziam das palavras apaixonadas do mancebo, cujo aspecto se entristecia visivelmente com aquela alegria intempestiva e cruel. Ao pé de uma das colunas de pedra, que subindo ao tecto se dividiam como os ramos de uma palmeira em artesões de castanho, os quais morrendo nos vértices das ogivas em bocetes dourados pareciam sustentar a renque de lampadários gigantes pendentes da escura profundeza daquelas voltas; ao pé de uma destas colunas, no lado oposto da sala, três personagens falavam também havia largo tempo, sem fazerem caso do tanger dos menestréis, do doudejar das danças, do sussurrar confuso que redemoinhava em volta deles. Era a sua conversação de género diverso das duas que já descrevemos. Aqui os três indivíduos pareciam tomar todos vivo interesse no objecto de que se ocupavam, ainda que de modo diferente.

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Capa do livro O Bobo
Páginas: 191
Página atual: 20

 
   
 
   
Os capítulos deste livro:
I - Introdução 1
II - Dom Bibas 8
III - O Sarau 18
IV - Receios e esperanças 27
V - A madrugada 38
VI - Como de um homenzinho se faz um homenzarão 45
VII - O homem do zorame 59
VIII - Reconciliação 66
IX - O desafio 80
X - Generosidade 90
XI - O subterrãneo 97
XII - A mensagem 110
XIII - A boa corda de cânave de quatro ramais 123
XIV - Amor e vingança 141
XV - Conclusão 157
Apêndice 173