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Capítulo 3: III - O Sarau

Página 22

Mas este anjo inocente, rodeado dos carinhos das mais nobres damas, das adorações dos mais ilustres cavaleiros da corte, parecia ter encerrado inteiramente o coração ao amor. Verdade é que entre os mancebos sempre atentos a indagar as inclinações das donzelas, tinham existido suspeitas de que esta indiferença e frieza era mais simulada que verdadeira. Eles haviam observado que os olhos de Dulce costumavam fitar-se com desusada complacência num donzel, que bem como ela fora criado na corte. Era este Egas Moniz Coelho, primo do ancião Egas Moniz, senhor de Cresconhe e Resende e aio do moço infante Afonso Henriques. Pouco diferentes em idades, semelhantes em génio e carácter e educados juntos, desde tenros anos, pelo respeitável senhor da honra de Cresconhe, os dois mancebos haviam contraído amizade íntima. Na mesma noite e na Sé de Zamora tinham velado as armas. Como prova da sua independência política, D. Afonso tomara do altar a armadura e a si próprio se fizera cavaleiro. Das mãos dele recebeu depois o mesmo grau, alvo da ambição de todos os mancebos nobres, o seu amigo de infância; e o infante e Egas, até aí irmãos pela afeição mútua, ficaram ainda mais unidos pela fraternidade das armas. As suspeitas dos moços cavaleiros tinham nascido pouco depois da vinda de D. Afonso e de Egas para a corte de Guimarães. Mas semelhantes suspeitas breve se desvaneceram. Inesperadamente Egas Moniz partiu para as guerras de ultramar, ou, como hoje se diz, para a cruzada. Ninguém atinou com o motivo desta súbita resolução. Todavia, se os amores com Dulce existiam realmente, era essa paixão que o afastava dela. Nascido com espírito ardente, trovador e guerreiro, Egas precisava de obter glória, porque as almas poéticas daquele tempo não compreendiam o amor sem renome, nem talvez sem este o encontrariam no seio de nobre donzela, digna de sua afeição. A Terra Santa era naquela época o campo mais fértil para os ceifadores de glória: as reputações adquiridas na Palestina retumbavam por todo o orbe cristão. Era o amor que arrastava Egas para essa vida de riscos, privações e combates? Quem poderia dizê-lo? Ninguém sequer o pensou. O que é certo é que depois da sua partida, Dulce pareceu mais triste que de costume. Porém, se eram saudades, ou essa alma enérgica soube esconder seu martírio e devorar no silêncio e na solidão da alta noite as suas lágrimas, ou as saudades se extinguiram no meio da vida risonha e distraída da corte. O moço trovador tinha esquecido a todos: pode ser que também a ela.

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Capa do livro O Bobo
Páginas: 191
Página atual: 22

 
   
 
   
Os capítulos deste livro:
I - Introdução 1
II - Dom Bibas 8
III - O Sarau 18
IV - Receios e esperanças 27
V - A madrugada 38
VI - Como de um homenzinho se faz um homenzarão 45
VII - O homem do zorame 59
VIII - Reconciliação 66
IX - O desafio 80
X - Generosidade 90
XI - O subterrãneo 97
XII - A mensagem 110
XIII - A boa corda de cânave de quatro ramais 123
XIV - Amor e vingança 141
XV - Conclusão 157
Apêndice 173