O Bobo - Cap. 3: III - O Sarau Pág. 23 / 191

Entretanto uma nuvem de cavaleiros a cercaram de adorações. Debalde! Só um esperava acender alguma faísca de amor neste coração gelado. Era Garcia Bermudes, cavaleiro aragonês, valido do conde de Trava, e uma das melhores lanças de Espanha, que com ele viera a Portugal. Dotado de generoso ânimo, mas sobradamente altivo, e confiado no próprio mérito, Garcia Bermudes amava a donzela querida de D. Teresa, e esperava ser correspondido; porém, no coração de Dulce achara um afecto que lá não quisera encontrar: amor sim; mas amor de irmã. Era ele quem no meio das festas obtinha todas as preferências da filha adoptiva da infanta: a sua conversação a que mais lhe aprazia. Contudo, quando no meio do ruído e alegria dos saraus, ou cavalgando no ginete possante e correndo ao lado do palafrém de Dulce pelas florestas e sarçais, nas montarias e caçadas, ele buscava ensejo para proferir essas palavras veementes que escutadas sem cólera coroam esperanças de muitos dias, e repelidas entenebrecem o futuro e devoram uma existência, Dulce esquivava sempre com um gracejo esse instante decisivo, e o aragonês, apartando-se dela, amaldiçoava a hora em que a amara, para daí a pouco imaginar novo ensejo em que pudesse resolver por uma vez o seu incerto destino. Dulce era a donzela, assentada na extrema almadraquexa do estrado; Garcia Bermudes, o cavaleiro com quem ela falava e ria; e o que entre os dois se passava, uma repetição dessas cenas em que tantas vezes a destreza da mulher que não ama sabe triunfar cruelmente da mais terrível entre as mais terríveis paixões, o amor do homem, recalcado no coração pela indiferença daquela a quem no abismo do seu orgulho disse: «tu serás minha!». Dos três personagens que, em pé no outro extremo do vasto aposento, pareciam alheios a tudo quanto passava em volta deles, embebidos em disputa violenta, um era o célebre Gonçalo Mendes da Maia, ao qual, em verdes anos, estremadas gentilezas de armas tinham feito dar o apelido de Lidador, de que por toda a sua larga vida ele se havia de mostrar constantemente digno. Era o outro o capelão de D. Teresa o muito honrado Martim Eicha, filho do mui excelente váli de Lamego, Eicha, que submetido pelo conde Henrique abraçara o cristianismo.





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