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Capítulo 3: III - O Sarau

Página 26

Por isso as lágrimas da bela infanta corriam. Quem sabe se também entre estas alguma era por seu filho? O sarau daquela noite fora para ela um longo martírio. O espectáculo do rir e folgar, o transluzir da alegria em tantos gestos faziam-lhe mais carregada a negra nuvem da sua tristeza: era um tracto doloroso, cruel, dilatado; era como o prelúdio medonho de um cântico infernal; mas cumpria sofrê-lo resignadamente. Dos cavaleiros portugueses, que seguiam ainda a corte, muitos ânimos titubeavam indecisos entre o balção do infante e o pendão da rainha de Portugal; e a hesitação ou o temor seria o sinal para essa fidalguia brilhante passar ao campo contrário. Fernando Peres contava com os cavaleiros galegos, asturianos e aragoneses, de que pouco a pouco se rodeara: mas seria isto bastante para o salvar e salvar a infanta? Eis o que era mais que duvidoso. Com a astúcia de fingido desafogo e destemor ele tentava enganar os que vacilavam, e fazer- -lhes crer, dançando na borda do abismo, que fácil lhe seria galgá-lo. Mas o senhor de Trava não se lembrava nos seus cálculos políticos de uma circunstância que devia influir no resultado final deles. O grande pensamento do conde Henrique; o pensamento que o audaz borgonhês acariciara por tantos anos, e a que votara a existência – a independência do condado de Portugal –, não morrera com ele: germinou, alimentou-se, e cresceu nas guerras com os Leoneses, guerras até certo ponto civis, em que D. Teresa prosseguira com tenacidade implacável. As mais províncias da Espanha gradualmente foram parecendo aos olhos dos cavaleiros portugueses uma terra estrangeira, estranhos os filhos delas. Um sentimento de nacionalidade surgiu nos corações, vago e confuso, mas enérgico. E no meio dos seus graves cuidados e das suas previsões profundas, o conde de Trava não se esquecera de que vira pela primeira vez o sol sob o céu da Galiza. Se D. Teresa triunfasse, ele – o estrangeiro – seria o senhor da nobre e livre terra de Portugal. D. Afonso Henriques, porém, nascera aquém do Minho. Assim, muitos daqueles que o ambicioso filho de Pedro Froilaz supunha indecisos na véspera da grande luta eram já seus inimigos. É o que o leitor melhor avaliará por si próprio se quiser escutar a conversação travada entre Gonçalo Mendes da Maia, o santo abade do Mosteiro de D. Mumadona e o mui reverendo capelão da rainha. Não será grande o incómodo: basta-lhe lançar os olhos para o capítulo seguinte.

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Capa do livro O Bobo
Páginas: 191
Página atual: 26

 
   
 
   
Os capítulos deste livro:
I - Introdução 1
II - Dom Bibas 8
III - O Sarau 18
IV - Receios e esperanças 27
V - A madrugada 38
VI - Como de um homenzinho se faz um homenzarão 45
VII - O homem do zorame 59
VIII - Reconciliação 66
IX - O desafio 80
X - Generosidade 90
XI - O subterrãneo 97
XII - A mensagem 110
XIII - A boa corda de cânave de quatro ramais 123
XIV - Amor e vingança 141
XV - Conclusão 157
Apêndice 173