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Capítulo 4: IV - Receios e esperanças

Página 29

– É falso – exclamou ele – que a alguém devesse o conde de Portugal os senhorios que deixou a Afonso Henriques: a Afonso Henriques, di-lo-ei sem receio! Se o rei leonês lhe disse: «Vai e hasteia o teu pendão de conde nas fronteiras do Ocidente», era que aos seus ouvidos tinham chegado os gemidos dos cavaleiros do conde Raimundo de Galiza, passados à espada pelos Sarracenos junto de Lisboa. Nunca depois disso, acaudelados por ele, voltaram costas aos infiéis os guerreiros da Cruz. Portugal era até aí um país devastado: era quase um deserto, por onde corriam à rédea solta os almogaures mouriscos; hoje os campos estão cultivados, os castelos seguros, os burgos e cidades renascem das suas ruínas. Respeitai as cinzas do nobre conde: respeitai-as ao menos diante de mim, que dele recebi as armas de cavaleiro, e que ainda combati entre os seus homens de armas. Não sei se vos lembrais disso?!

O Lidador talvez aludia à conquista de Lamego. Era acaso uma injúria que ele dirigia ao filho do váli e não uma pergunta. O certo é que Martim Eicha fitou os olhos no tecto, e depois volveu-os lentamente para o chão, como quem oferecia a Deus a afronta e se resignava nela. Gonçalo Mendes prosseguiu:

– Chamais ao infante rebelde contra sua mãe. Não, vos digo eu!, mil vezes não! Por largo tempo o mancebo generoso viveu nestes paços esquecido, desprezado, como um ínfimo homem de armas. O seu nome escrito nas cartas e doações, acima do nome do conde de Trava, era unicamente o que ainda recordava de quem ele era filho. Escárnio cruel na verdade; porque esse que aí se chamava infante de Portugal era obrigado a curvar a cabeça diante do senhor estranho. É a esse que ele vem arrancar o poder, porque o poder está em suas mãos. Credes que aprovo o feito? Não, por certo. Ante os barões e ricos-homens, na cúria, devera requerer seu direito. Mas perdeu-o acaso porque, esgotado o sofrimento com o excesso da opressão, respondeu à violência com o brado de guerra? Os senhores e infanções portugueses não o crêem. Se o cressem não o teriam escutado: não o seguiriam aqueles que ora o seguem.

O bom do capelão não se deu por vencido e com inflexível tenacidade replicou:

– A rainha D. Teresa domina em Portugal; o conde de Trava é um conde, um rico-homem, um alcaide; mais nada. Os barões portugueses juraram-lhe lealdade a ela, e é contra ela que se rebelam. Dizei-me vós, senhor cavaleiro, de quem tendes vossas honras, coutos e préstamos? De quem, como vós, os têm eles?

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Capa do livro O Bobo
Páginas: 191
Página atual: 29

 
   
 
   
Os capítulos deste livro:
I - Introdução 1
II - Dom Bibas 8
III - O Sarau 18
IV - Receios e esperanças 27
V - A madrugada 38
VI - Como de um homenzinho se faz um homenzarão 45
VII - O homem do zorame 59
VIII - Reconciliação 66
IX - O desafio 80
X - Generosidade 90
XI - O subterrãneo 97
XII - A mensagem 110
XIII - A boa corda de cânave de quatro ramais 123
XIV - Amor e vingança 141
XV - Conclusão 157
Apêndice 173