O Bobo - Cap. 4: IV - Receios e esperanças Pág. 31 / 191

– Quanto a mim – disse ele –, não me perdoe o Senhor na hora extrema do passamento, se mentem minhas palavras. Sempre e em toda a parte clamei pela paz, e ainda hoje clamo por ela. Também eu como vós quisera que o infante na cúria dos barões requeresse direito; mas como vós também quisera que não lho negasse a rainha, posto que o demande armado. A tal façanha o incitou o orgulho do conde de Trava, e o generoso e nobre sangue que corre nas veias do nobre mancebo. Com a mão sobre o coração vos juro que me horroriza esta guerra desnatural. Mas como evitá-la? Como ousareis vós tentá-lo; vós, talvez o único rico-homem da corte de Guimarães que ousa ser francamente inimigo do conde de Trava?

– Tentá-lo-ei – replicou o Lidador – como leal cavaleiro. Antes que as novas da vinda de D. Afonso, para acometer sua mãe e seu mortal inimigo, houvessem corrido de boca em boca; antes que os mais íntimos conselheiros do nobre Fernando Peres – dizendo isto Gonçalo Mendes olhava para Martim Eicha – nos pudessem asseverar que o sangue se havia de verter, já eu o sabia: sabia-o porque esses valos alevantados à pressa em volta do burgo; essa couraça que os prende ao castelo; os engenhos postos a ponto nos eirados e torres, me diziam sobejamente que nos ameaçava guerra. Guerra de Sarracenos? Não vêm tão longe as suas arrancadas. Guerra do imperador? Não quebrámos até hoje nosso preito com ele. A causa do temor existia, pois, em Portugal. O infante não há três meses que saiu daqui, e já muitos castelos o receberam por senhor. Vi, soube e calei. Mas a cúria dos barões e ricos-homens da corte está convocada para se ajuntar amanhã. Lá, no meio dos que servem e temem, eu, que não temo nem sirvo, falarei bem alto. Mostrarei à rainha que se perde; que D. Afonso tem por si filhos de algo, bispos, burgueses e vilões de beetrias. Direi ao conde: «Nobre conde de Galiza, é necessário ceder ao infante de Portugal.» Então, se não for escutado...

– Então?... – interrompeu Martim Eicha.

– Então aceitarei vossos conselhos. No campo do infante ainda cabem dez tendas para mais cem homens de armas, besteiros e fundibulários; ainda lá se pode soltar mais um pendão ao vento assolador das batalhas.





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