O Bobo - Cap. 4: IV - Receios e esperanças Pág. 35 / 191

Apenas um  cavaleiro com os braços cruzados e encostado a uma das colunas imediatas ao estrado das donzelas, imóvel, e com os olhos cravados na colgadura da porta por onde D. Teresa saíra, parecia entregue a profunda meditação. Uma voz veio tirá-lo daquele torpor: era a de Dom Bibas, que, repotreado na cadeira da rainha, olhava para ele fito, e lhe salmeava em tom soturno, pela solfa do canto gregoriano, bastas injúrias:

Fora, parvo aragonês.
Dom bulrão.
Tlão, tlão, tlão!
Vai tratar de teus amores
No Aragão.
Tlão, tlão, tlão!
As donzelas portuguesas
Lindas são.
Tlão, tlão, tlão!
E por isso haver quer uma
Dom bulrão.
Tlão, tlão, tlão!
A Dulce é bela donzela;
Mas flor d’aleli
Não é para ti.
Kirieleison.
Kirieleison.
Requiem ceternam dona eis
Et lux luceat eis.

O cavaleiro pôs-se a ouvi-lo sorrindo; mas aqueles derradeiros fragmentos das preces pelos extintos, entoados lugubremente e reboando no aposento sonoro, assemelhavam-se-lhe aos ecos das orações por finado repercutidas por abóbada de igreja em trintário cerrado. Sentiu correr-lhe os membros um calefrio – não de temor, porque não o conhecia o seu coração; mas de terror – desse religioso terror que na crédula Idade Média, às vezes, e por mil motivos vãos, vergava os ânimos mais esforçados. Era singular o efeito que nele produzia a voz roufenha de Dom Bibas; mas é certo que essa voz despertava na sua alma lembranças de morte e uma indizível tristeza.





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