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Capítulo 6: VI - Como de um homenzinho se faz um homenzarão

Página 46

Fernando Peres viu muitas vezes vacilantes as suas esperanças, porque os nobres companheiros do conde Henrique, vivendo havia tanto tempo na Espanha, começavam a confundir nos seus instintos políticos a ideia das instituições francas com a índole das tradições sociais visigodas, que sempre preponderaram na Península. A rainha expusera as pretensões de seu filho perante os barões: Veremudo Peres, irmão do conde de Trava, genro da rainha, e senhor de Viseu, que viera assistir àquela espécie de parlamento, tomando a mão, invectivara furioso contra o infante, seu cunhado, e não poupara feros e ameaças contra os parciais dele. A cólera do Lidador não precisava de tanto para ser excitada, e palavras igualmente violentas saíram da sua boca em resposta às de Veremudo Peres. Acusou o conde de vexames de todo o género e ameaçou também aqueles que o ameaçavam. Pouco a pouco o tumulto, começado pelos dois, dilatou-se e cresceu. As injúrias voaram de parte a parte, os ferros polidos dos punhais principiaram a reluzir meio arrancados dos cintos, e a sala do conselho ia converter- se num campo de batalha, quando dois homens, talvez os únicos que pelo seu carácter público e ainda mais pela sua condição moral o podiam alcançar, atalharam as cenas de sangue de que os paços de Guimarães estavam a ponto de serem teatro. Quase ao mesmo tempo dois sacerdotes se alevantaram a pedir tréguas em nome de Deus. Era D. Telo, arcediago de Coimbra, um deles; o outro, Fr. Hilarião, o bom velho abade do Mosteiro de D. Muma, que já o leitor conhece. Àquele dissera muitas vezes D. Teresa que assaz grato lhe seria vê-lo bispo da sua sé, a qual então se achava órfã de pastor; a este, a predilecção que sempre mostrara ao seu mosteiro e a ele em especial o moço príncipe fazia crer com bom fundamento que não eram vãs de todo várias palavras que uma vez lhe ouvira soltar acerca não sabemos de que doação ao santo ascetério de Guimarães, de certa vila ou herdade, com cinquenta homens de criação, e seus montes e pastos, fontes e lagoas, êxitos e regressos. Não os moviam na verdade estas circunstâncias que apontámos casualmente, a serem, D. Telo inclinado a favorecer a justiça da bela infanta, e Fr. Hilarião a justiça de Afonso Henriques. Pregoava-os o mundo por virtuosos: nós ajuntamos o nosso brado ao do mundo.

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pág. 46 (Capítulo 6)

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Capa do livro O Bobo
Páginas: 191
Página atual: 46

 
   
 
   
Os capítulos deste livro:
I - Introdução 1
II - Dom Bibas 8
III - O Sarau 18
IV - Receios e esperanças 27
V - A madrugada 38
VI - Como de um homenzinho se faz um homenzarão 45
VII - O homem do zorame 59
VIII - Reconciliação 66
IX - O desafio 80
X - Generosidade 90
XI - O subterrãneo 97
XII - A mensagem 110
XIII - A boa corda de cânave de quatro ramais 123
XIV - Amor e vingança 141
XV - Conclusão 157
Apêndice 173