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Capítulo 6: VI - Como de um homenzinho se faz um homenzarão

Página 47

Mas é indubitável que ambos eles estavam persuadidos de que o outro seguia uma causa má, e afligiam-se profundamente de verem assim a virtude desvairada e perdida no meio do campo contrário.

Alguém que subitamente entrasse no lugar em que se ajuntara aquela espécie de parlamento e visse os dois sacerdotes, pálidos e trémulos, proferirem palavras de razão e de paz no meio do tumultuar e vozear dos ricos-homens e infanções, cujos olhos chamejavam de cólera, cujas mãos confrangidas apertavam os punhos dos bulhões que reluziam já meio arrancados, atribuiria forçosamente a sua linguagem melíflua e cheia de unção ao temor de serem vítimas indefensas dos brutais homens de guerra, se porventura o sangue começasse a correr, visto que nem a cogula do beneditino, nem a garnacha do arcediago eram apertadas com o cinto de couro recamado, que cingia os briais dos cavaleiros, e com que eles apertavam ao peito, da esquerda a espada, e da direita o punhal. Enganar-se- -ia, contudo, quanto a nós, quem a tais motivos atribuísse as palavras dos dois homens de Deus. Ainda cremos na virtude dos cultores da política: sabemos por experiência que a maior parte das vezes as suas expressões são singelas, e nascem de crenças mui fundas; sabemos também que as suas opiniões são em geral desinteressadas, e que jamais é o medo que os incita a pregarem a concórdia e a paz. E se isto é assim nestes tempos de perversão moral, com bom fundamento afirmamos que eram puras e generosas as intenções daqueles dois ministros do Senhor, num século em que as doutrinas do cristianismo estavam vivas e a caridade era fervorosa e sincera.

É certo, porém, que apesar das diligências que fazia cada um deles para aquietar o furor da respectiva parcialidade, por muito tempo o alarido dos cavaleiros, que se doestavam com bastas e grosseiras injúrias, cobriu as débeis vozes dos varões apostólicos. Finalmente foram ouvidos. A reputação de santidade de que ambos gozavam – no seu bando, já se entende –, porque em épocas de ódios civis as reputações facilmente tocam o extremo da profundeza, mas na extensão ficam sempre em metade; essa reputação, dizemos, mais ainda que a força das suas ponderações, fizeram pouco a pouco asserenar a tempestade. Os ricos-homens, infanções e cavaleiros vieram enfim a uma conclusão razoável; isto é, saíram dali cada vez mais aferrados às suas opiniões, e sem concluírem nada.

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Capa do livro O Bobo
Páginas: 191
Página atual: 47

 
   
 
   
Os capítulos deste livro:
I - Introdução 1
II - Dom Bibas 8
III - O Sarau 18
IV - Receios e esperanças 27
V - A madrugada 38
VI - Como de um homenzinho se faz um homenzarão 45
VII - O homem do zorame 59
VIII - Reconciliação 66
IX - O desafio 80
X - Generosidade 90
XI - O subterrãneo 97
XII - A mensagem 110
XIII - A boa corda de cânave de quatro ramais 123
XIV - Amor e vingança 141
XV - Conclusão 157
Apêndice 173