Garcia Bermudes arrancou violentamente uma bolsa de couro dourado que, segundo a moda do tempo, lhe pendia do cinto: abriu-a; tirou de dentro um pequeno pergaminho, e entregando ao donzel uma e outra cousa continuou:
– Vai, e busca encontrar o incógnito que ontem falava a sós com Gonçalo Mendes e Fr. Hilarião. Afirmas que lhe viste o rosto: o seu nome já o sabes. Faze vigiar o mosteiro e a pousada do senhor da Maia: não poupes nem diligências nem almorabitinos, que essa bolsa vai bem recheada. Se o descobrires entrega-lhe este pergaminho: que o mostre aos vigias e roldas, e eles o deixarão sair da cerca do burgo, o que sem isso lhe fora impossível. Em recompensa disto, dize-lhe que Garcia Bermudes exige que amanhã, duas horas antes do sol-posto, esteja com suas armas e a cavalo no souto que se dilata além do vau do Madroa; e que se não o fizer é desleal e covarde.
– A cousa é dificultosa – replicou o malicioso donzel. – E se hoje não o descobrir?
– Demónio! – respondeu o alferes-mor batendo o pé no chão de impaciência. – Procura-o toda a noite, toda a manhã, todo o dia! É preciso que o encontres, se queres a nobre dignidade de cavaleiro. Entendes? Sem isso, enquanto Garcia Bermudes for alferes-mor, conta que não a obterás.
Não havia remédio: Tructesindo agarrou na bolsa e no pergaminho. Depois atravessou vagarosamente a sala, levantando a touca pelo lado de trás com o índex e coçando o toutiço. Ele tinha razão: a empresa era dificultosa.
Garcia Bermudes caiu então no seu habitual cismar. «Ao menos – pensava o cavaleiro – nunca ela dirá que a minha vingança foi vil e desleal.»
Daí a pouco uma voz que soava da porta dos aposentos interiores veio despertá-lo dos seus devaneios. Era o conde que com aspecto risonho dizia:
– A mui excelente rainha ordena venha imediatamente perante ela o nobre alferes da hoste de Portugal.