– Tens razão, Garcia – disse ele. – Indignas-te de ver que homens, cheios de benefícios e honras pela rainha de Portugal, venham nos seus paços dela urdir o trama dos seus pérfidos desígnios. Mas estão em meu poder, e nada há aí que os salve. Possa eu encontrar ainda em Guimarães o audaz cavaleiro que ousou entrar na caverna do tigre! O algoz e o cepo selarão com sangue a fiel amizade dos infames. Egas, não te esconderá teu disfarce! Gonçalo Mendes, não te valerá nem a espada nem o orgulho de rico-homem! Monge hipócrita, não te salvará tua mortalha de homem vivo. Roma o que pede é ouro, quando defende o seu rebanho de garnachas e cogulas, e a tua cabeça não a cedera eu agora a troco de mil áureos mouriscos.
Assim a profunda indignação, que o conde acreditara ler no gesto do alferes-mor, saía como uma torrente do seu próprio coração.
Depois reflectiu um momento, e reassumiu outra vez o seu aspecto habitual de serenidade. Não fora para vibrar vãs palavras de ameaça que se aproximara de Garcia Bermudes. Após breve pausa prosseguiu gravemente e em voz assaz alta para ser ouvido no outro extremo, onde ainda restava um pequeno grupo de cavaleiros:
– Senhor alferes-mor, esperai aqui as ordens da nossa mui excelente rainha, que tem de comunicar-vos importantes negócios. Eu voltarei a chamar-vos, quando assim lhe aprouver.
Proferidas estas palavras saiu da sala, e encaminhou-se para os aposentos interiores pela mesma porta por onde a rainha saíra.
Apenas Fernando Peres desapareceu, Garcia Bermudes travou do braço de Tructesindo, e em tom solene disse-lhe:
– Pela minha fé juro que o pajem Tructesindo amanhã cingirá sobre o brial a espada de cavaleiro se cumprir o que lhe vou dizer, e se jurar também guardar sobre isso perpétuo silêncio.
– Juro, juro! – interrompeu o donzel. – Dizei depressa o que pretendeis. Seja o que for, e venham as esporas douradas.
Era a ideia fixa do diabólico pajem.