– Vamos, formosa Dulce – interrompeu Fernando Peres, que leu no gesto de D. Teresa o vacilar da sua alma –, sê connosco sincera. São mal cabidas aqui palavras fingidas de desamor. Certo que tu suspiravas pelo momento em que pudesses chamar teu um dos mais gentis e esforçados cavaleiros de Espanha. Esse momento chegou...
– Mas... senhor conde! – interrompeu balbuciando o alferes-mor.
– Basta, Garcia Bermudes – prosseguiu o conde, carregando o sobrolho. – És meu amigo, e a mui excelente rainha oferece-te para mulher a sua filha adoptiva, a herdeira do nome dos Bravais. Não é digna de ti? Não és tu digno dela? Esta união prender-te-á mais, se é possível, à terra que tomaste por pátria, e eu assim to ordeno. Sei que era esse o pensamento contínuo do teu espírito, o alvo a que tendiam todos os afectos do teu coração.
O leitor conhece já o carácter de Dulce: o primeiro instante de uma situação arriscada era para ela o da fraqueza mulheril, mas era só um instante. Mediu o abismo que se lhe abria debaixo dos pés... Um dia mais, e estava salva! Era necessário resistir: era necessário coligir todas as forças da sua alma. Trémula, mas com energia, atalhou Fernando Peres:
– Não, senhor de Trava! Aquela que foi segunda mãe de Dulce; aquela que sempre se lhe mostrou generosa e indulgente; a rainha de Portugal, tem direito a dispor da sua mão; tem direito a recalcar- me no fundo da alma todos os afectos, a fazer-me devorar em silêncio as minhas lágrimas. Se não pudesse dobrar-lhe a vontade, se ela fosse inflexível, obedecer-lhe-ia... ou morreria talvez! Mas vós, senhor conde, qual é o vosso título para constranger minha vontade? Fostes vós que honrastes o solar dos Bravais? Recebeu D. Gomes Nunes algum préstamo de vossa mão? Que vale que vós digais: «ordeno-o», se eu, nobre e livre, se eu, neta dos Godos, vos responder: «não será»?