A rainha olhava atónita para Dulce, cuja palidez e voz trémula desmentia a resolução das suas palavras. O furor do conde, cujo ânimo os acontecimentos desse dia tinham sobejamente irritado, ouvindo aquelas expressões que tocavam as raias do desprezo, rebentou subitamente. Esqueceu-se do fingido respeito que em toda a parte mostrava pela rainha, e principalmente na sua presença, para só se lembrar de que realmente ele era o verdadeiro senhor nos paços de Guimarães, desde que D. Teresa lhe entregara corpo e alma.
– Quem é que ousa aqui dizer «não será» ao conde de Portugal e Coimbra? – bradou ele com um rugido feroz que fez tremer a donzela. – Quem ousa nestes paços resistir à minha vontade? – E depois de uma breve pausa prosseguiu, dando uma risada: – Ah, sois vós, nobre herdeira dos Bravais, vós a que não tendes nenhum préstamo de minhas mãos! Sois vós a que recusais obedecer-me?
Depois de outra vez ficar alguns momentos calado, continuou em tom de mofa:
– Podeis, senhora, ordenar que soem as trombetas e timbales nos vossos castelos e honras, que os vossos alcaides juntem os cavaleiros, os vossos vílicos os besteiros, archeiros e fundibulários; que os vossos alferes desenrolem os balções dos Bravais, para marcharem contra o mísero conde de Portugal em lide de homizio! “Não, senhor de Trava”!? Sim, vos digo eu, donzela! Sim, que é força assim seja! Dizei-me só por muita mercê: é o pudor virginal quem vos obriga a rejeitardes a mão de tão gentil cavaleiro?
Fernando Peres cruzou os braços e cravou na donzela o seu olhar de gerifalte. Dulce, aterrada com as palavras e gestos daquele homem orgulhoso, tinha caído de joelhos aos pés da rainha e, apertando-lhe com as mãos convulsas a barra do epitógio, exclamou:
– Oh! Salvai-me, salvai-me!
Dolorosa era a situação de D. Teresa. Amava sinceramente Dulce; mas entre ela e o conde havia laços que não podia, que não quisera quebrar. Aquelas expressões insolentes de Fernando Peres, a audácia com que ele substituía a própria vontade à sua, tinham uma significação terrível; despertavam-lhe recordações e remorsos!
O primeiro impulso do seu espírito altivo foi a indignação; mas a vergonha, talvez o temor, lhe embargou o manifestá-la. Abaixou o rosto, e duas lágrimas lhe escorregaram pelas faces.