– Não preciso nada. Esmolas só as recebo daquela mulher.
Já Manuel tinha reparado em Mariana, e da beleza da moça inferira para formar falsos juízos.
– E quem é esta menina? – tornou Manuel.
– É um anjo… Não lhe sei dizer mais nada.
Mariana sorriu-se, e disse:
– Sou uma criada do senhor Simão e de vossa senhoria.
– É cá do Porto?
– Não, meu senhor, sou dos arrabaldes de Viseu.
– E tem feito sempre companhia a meu mano? Simão atalhou assim à resposta balbuciante de Mariana:
– A sua curiosidade incomoda-me, mano Manuel.
– Cuidei que não era ofensiva – replicou o outro, tomando o chapéu. – Quer alguma coisa para a mãe?
– Nada.
Estando Manuel Botelho, na tarde desse dia, fechando as malas para seguir jornada para Vila Real, foi visitado pelo desembargador Mourão Mosqueira e pelo corregedor do crime.
– Devemos à espionagem da polícia – disse o corregedor – a novidade de estar nesta estalagem um filho do meu antigo amigo, condiscípulo e colega Domingos Correia Botelho. Aqui vimos dar--lhe um abraço e oferecer o nosso préstimo. Esta senhora é sua esposa? – continuou o magistrado, reparando na açoriana.
– Não é minha esposa… – balbuciou Manuel – é… minha irmã.
– Sua irmã… – disse Mosqueira – qual das três? Há cinco anos que as vi em Viseu, e grande mudança fez esta senhora, que não me recordo das suas feições absolutamente coisa nenhuma. É a senhora D. Ana Amália?
– Justamente – disse Manuel.
– Bela lhe afirmo eu que está, minha senhora; mas fez-se um rosto muito outro do que era!…
– Vieram ver o infeliz Simão? – atalhou o corregedor.
– Sim, senhor… viemos ver meu pobre irmão.
– Foi um raio que caiu na família aquele rapaz!… – ajuntou Mosqueira. – Mas pode estar na certeza que a sentença não se executa; diga a sua mãe que mo ouviu da minha boca. O meu tribunal está preparado para lhe minorar a pena em dez anos de degredo para a Índia, e seu pai, segundo me disse na passagem para Vila Real, já preparou as coisas na Suplicação e no Desembargo do Paço, não obstante o morto lá ter parentes poderosos nas duas instâncias.