Alguns conhecidos tinham passado, palavreando com ele consoante costumavam, e acharam-no taciturno e nada para graças.
– Que tens tu, João? – dizia um.
– Não tenho nada. Vai à tua vida e deixa-me, que não estou para lérias. Outro parava e dizia:
– Guarde-o Deus, senhor João.
– E a vossemecê também. Que novidade há?
– Não sei nada.
– Pois então vá com Nossa Senhora, que eu estou cá de candeias às avessas.
O ferrador largava o martelo; sentava-se aos poucos no tronco, e coçava a cabeça com frenesi. Depois recomeçava novamente, e tão alheado o fazia, que estragava o cravo ou martelava os dedos.
– Isto é coisa do Diabo! – exclamou ele; e foi à cozinha procurar a pichorra, que emborcou como qualquer elegante de paixões etéreas se aturde com absinto. – Hei-de afogar-te, coisa má, que me estás apertando a alma! – continuou o ferrador, sacudindo os braços, e batendo o pé no soalho.
Voltou ao coberto a tempo que um viandante ia passando sobre a sua possante mula. Envolvia-se o cavaleiro num amplo capote à moda espanhola, sem embargo da calma que fazia. Viam-se-lhe as botas de coiro cru, com esporas amarelas afiveladas, e o chapéu derrubado sobre os olhos.
– Ora viva! – disse o passageiro.
– Viva! – respondeu mestre João, relanceando os olhos pelas quatro patas da mula, a ver se tinha obra em que entreter o espírito. – A mula é de rópia e chibança!
– Não é má. Vossemecê é que é o senhor João da Cruz?
– Para o servir.
– Venho aqui pagar-lhe uma dívida.
– A mim? O senhor não me deve nada, que eu saiba.
– Não sou eu que devo; é meu pai, e ele foi que me encarregou de lhe pagar.
– E quem é seu pai?
– Meu pai era um recoveiro de Carção, chamado Bento Machado.
Proferida metade destas palavras, o cavaleiro afastou rapidamente as mangas do capote e desfechou um bacamarte no peito do ferrador.
O ferido recuou exclamando:
– Mataram-me!… Mariana, não te vejo mais!…
O assassino teria dado cinquenta passos a todo o galope da espantada mula, quando João da Cruz, debruçado sobre o banco, arrancava o último suspiro com a cara posta no chão, donde apontara ao peito do almocreve dez anos antes.