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Capítulo 18: Capítulo 18

Página 120

Alguns conhecidos tinham passado, palavreando com ele consoante costumavam, e acharam-no taciturno e nada para graças.

– Que tens tu, João? – dizia um.

– Não tenho nada. Vai à tua vida e deixa-me, que não estou para lérias. Outro parava e dizia:

– Guarde-o Deus, senhor João.

– E a vossemecê também. Que novidade há?

– Não sei nada.

– Pois então vá com Nossa Senhora, que eu estou cá de candeias às avessas.

O ferrador largava o martelo; sentava-se aos poucos no tronco, e coçava a cabeça com frenesi. Depois recomeçava novamente, e tão alheado o fazia, que estragava o cravo ou martelava os dedos.

– Isto é coisa do Diabo! – exclamou ele; e foi à cozinha procurar a pichorra, que emborcou como qualquer elegante de paixões etéreas se aturde com absinto. – Hei-de afogar-te, coisa má, que me estás apertando a alma! – continuou o ferrador, sacudindo os braços, e batendo o pé no soalho.

Voltou ao coberto a tempo que um viandante ia passando sobre a sua possante mula. Envolvia-se o cavaleiro num amplo capote à moda espanhola, sem embargo da calma que fazia. Viam-se-lhe as botas de coiro cru, com esporas amarelas afiveladas, e o chapéu derrubado sobre os olhos.

– Ora viva! – disse o passageiro.

– Viva! – respondeu mestre João, relanceando os olhos pelas quatro patas da mula, a ver se tinha obra em que entreter o espírito. – A mula é de rópia e chibança!

– Não é má. Vossemecê é que é o senhor João da Cruz?

– Para o servir.

– Venho aqui pagar-lhe uma dívida.

– A mim? O senhor não me deve nada, que eu saiba.

– Não sou eu que devo; é meu pai, e ele foi que me encarregou de lhe pagar.

– E quem é seu pai?

– Meu pai era um recoveiro de Carção, chamado Bento Machado.

Proferida metade destas palavras, o cavaleiro afastou rapidamente as mangas do capote e desfechou um bacamarte no peito do ferrador.

O ferido recuou exclamando:

– Mataram-me!… Mariana, não te vejo mais!…

O assassino teria dado cinquenta passos a todo o galope da espantada mula, quando João da Cruz, debruçado sobre o banco, arrancava o último suspiro com a cara posta no chão, donde apontara ao peito do almocreve dez anos antes.

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Capa do livro Amor de Perdição
Páginas: 145
Página atual: 120

 
   
 
   
Os capítulos deste livro:
Capítulo 1 1
Capítulo 2 3
Capítulo 3 10
Capítulo 4 16
Capítulo 5 23
Capítulo 6 29
Capítulo 7 36
Capítulo 8 45
Capítulo 9 55
Capítulo 10 64
Capítulo 11 70
Capítulo 12 81
Capítulo 13 87
Capítulo 14 94
Capítulo 15 101
Capítulo 16 107
Capítulo 17 113
Capítulo 18 119
Capítulo 19 123
Capítulo 20 128
Capítulo 21 133
Capítulo 22 139