Os caminheiros, que perpassaram pelo cavaleiro inadvertidamente, ajuntaram-se em redor do cadáver. Josefa acudiu ao estrondo do tiro, e já não ouviu as últimas palavras de seu cunhado. Quis transportá-lo para dentro, e correr a chamar cirurgião; mas um cirurgião estava no ajuntamento e declarou morto o homem.
– Quem o matou? – exclamaram trinta vozes a um tempo.
Nesse mesmo dia vieram justiças de Viseu lavrar o auto e devassar: nenhum indício lhes deu o fio do misterioso assassínio. O escrivão dos órfãos inventariou os objectos encontrados, e fechou as portas quando os sinos corriam o derradeiro dobre ao cair da lousa sobre João da Cruz.
Deus terá descontado nos instintos sanguinários do teu temperamento a nobreza de tua alma! Pensando nas incoerências da tua índole, homem que me explicas a providência, assombram-me as caprichosas antíteses que a mão de Deus infunde em alentos na criatura. Dorme o teu sono infinito, se nenhum outro tribunal te cita a responder pelas vidas que tiraste, e pelo que fizeste da tua. Mas, se há estância de castigo e de misericórdia, as lágrimas de tua filha terão sido, na presença do Juiz Supremo, os teus merecimentos.
Fez Josefa escrever a Mariana, noticiando-lhe a morte de seu pai, mas sobrescritou a carta a Simão Botelho, para maior segurança. Estava Mariana no quarto do preso, quando a carta lhe foi entregue.
– Não conheço a letra, Mariana… E a obreia é preta…
Mariana examinou o sobrescrito, e empalideceu.
– Eu conheço a letra – disse ela – é do Joaquim da Loja. Abra, depressa, senhor Simão… Meu pai morreria?
– Que lembrança! Pois não teve há três dias carta dele? E não disse que estava bom?
– Isso que tem?… Veja quem assina.
Simão buscou a assinatura, e disse:
– Josefa Maria! É sua tia que lhe escreve.
– Leia… leia… Que diz ela? Deixe-me ler a mim…
O preso lia mentalmente, e Mariana instou:
– Leia alto, por quem é, senhor Simão, que estou a tremer… e vossa senhoria descora… Que é, meu Deus?