O espírito de Mariana não podia altear-se à expressão do preso; mas o coração adivinhava-lhe as ideias. E a pobre moça sorria e chorava a um tempo. Simão continuou:
– Tem vinte e seis anos, Mariana. Viva, que esta sua existência não pode ser senão um suplício oculto. Viva, que não deve dar tudo a quem lhe não pode restituir senão as lágrimas que eu lhe tenho custado. O tempo do meu desterro não pode estar longe; esperar outro melhor destino seria uma loucura. Se eu ficasse na pátria, livre ou preso, pediria a minha irmã que completasse a obra generosa da sua compaixão, esperando que eu lhe desse a última palavra da minha vida. Mas não vá comigo à África ou à Índia, que sei que voltará sozinha à pátria depois que eu fechar os olhos. Se o meu degredo for temporário, e a morte me guardar para maiores naufrágios, voltarei à pátria um dia. É preciso que Mariana aqui esteja para eu poder dizer que venho para a minha família, que tenho aqui uma alma extremosa que me espera. Se a encontrar com marido e filhos, a sua família será a minha. Se a vir livre e só, irei para companhia de minha irmã. Que me responde, Mariana?
A filha de João da Cruz, erguendo os olhos do pavimento, disse:
– Eu verei o que hei-de fazer quando o senhor Simão partir para o degredo…
– Pense desde já, Mariana.
– Não tenho que pensar… A minha tenção está feita…
– Fale, minha amiga; diga qual é a sua tenção. Mariana hesitou alguns segundos, e respondeu serenamente:
– Quando eu vir que não lhe sou precisa, acabo com a vida. Cuida que eu ponho muito em me matar? Não tenho pai, não tenho ninguém, a minha vida não faz falta a pessoa nenhuma. O senhor Simão pode viver sem mim? Paciência!… Eu é que não posso…
Susteve o complemento da ideia como quem se peja de uma ousadia. O preso apertou-a nos braços estremecidamente, e disse:
– Irá, irá comigo, minha irmã. Pense muito no infortúnio de nós ambos de ora em diante, que ele é comum; é um veneno que havemos de tragar unidos, e lá teremos uma sepultura de terra tão pesada como a da pátria.