Isto não é queixar-me, Simão; não é. Talvez que eu pudesse resistir alguns dias à morte, se tu ficasses; mas, de um modo ou outro, era inevitável fechar os olhos quando se rompesse o último fio, este último que se está partindo, e eu mesma o oiço partir. Não vão estas palavras acrescentar a tua pena. Deus me livre de ajuntar um remorso injusto à tua saudade.
Se eu pudesse ainda ver-te feliz neste mundo; se Deus permitisse à minha alma esta visão!… Feliz, tu, meu pobre condenado!… Sem o querer, o meu amor agora te fazia injúria, julgando-te capaz de felicidade! Tu morrerás de saudade, se o clima do desterro te não matar ainda antes de sucumbires à dor do espírito.
A vida era bela, era, Simão, se a tivéssemos como tu ma pintavas nas tuas cartas, que li há pouco! Estou vendo a casinha que tu descrevias defronte de Coimbra, cercada de árvores, flores e aves. A tua imaginação passeava comigo às margens do Mondego, à hora pensativa do escurecer. Estrelava-se o céu, e a lua abrilhantava a água. Eu respondia com a mudez do coração ao teu silêncio, e, animada por teu sorriso, inclinava a face ao teu seio, como se fosse ao de minha mãe. Tudo isto li nas tuas cartas; e parece que cessa o despedaçar da agonia enquanto a alma se está recordando. Noutra carta, me falavas em triunfos e glórias e imortalidade do teu nome. Também eu ia após da tua aspiração, ou adiante dela, porque o maior quinhão dos teus prazeres de espírito queria eu que fosse meu. Era criança há três anos, Simão, e já entendia os teus anelos de glória, e imaginava--os realizados como obra minha, se me tu dizias, como disseste muitas vezes, que não serias nada sem o estímulo do meu amor.
Oh! Simão, de que céu tão lindo caímos! À hora que te escrevo, estás tu para entrar na nau dos degredados, e eu na sepultura.
Que importa morrer, se não podemos jamais ter nesta vida a nossa esperança de há três anos?! Poderias tu com a desesperança e com a vida, Simão? Eu não podia. Os instantes do dormir eram os escassos benefícios que Deus me concedia; a morte é mais que uma necessidade, é uma misericórdia divina, uma bem-aventurança para mim.