Pois eu já lhes fiz saber, leitores, pela boca de mestre João, que o filho do corregedor não tinha dinheiro. Agora lhes digo que era em dinheiro que ele cismava, quando Mariana lhe trouxe o caldo rejeitado.
A meu ver, deviam atribulá-lo estes pensamentos:
Como pagaria a hospitalidade de João da Cruz?
Com que agradeceria os desvelos de Mariana?
Se Teresa fugisse, com que recursos proveria à subsistência de ambos?
Ora, Simão Botelho saíra de Coimbra com a sua mesada, que não era grande, e quase lha absorvera o aluguel da cavalgadura, e a gorjeta generosa que dera ao arrieiro, a quem devia o conhecimento do prestante ferrador.
As relíquias desse dinheiro dera-as ele à portadora da carta naquele dia. Má situação!
Lembrou-se de escrever à mãe. Que lhe diria ele? Como explicaria a sua residência naquela casa? Deste modo, não iria ele dar indícios da morte misteriosa dos dois criados de Baltasar Coutinho?
Além de que sobejamente sabia ele que sua mãe o não amava; e, a mandar-lhe algum dinheiro em segredo, seria escassamente o necessário para a jornada até Coimbra. Péssima situação!
Cansado de pensar, favoreceu-o a providência dos infelizes com um sono profundo.
E Mariana entrara pé ante pé na sala, e, ouvindo-lhe a respiração alta, aventurou-se a entrar na alcova. Lançou-lhe um lenço de cassa sobre o rosto, em roda do qual zumbia um enxame de moscas. Viu a carteira sobre uma banqueta que adornava o quarto, pegou nela, e saiu pé ante pé. Abriu a carteira, viu papéis, que não soube ler, e num dos repartimentos duas moedas de seis vinténs. Foi restituir a carteira ao seu lugar, e tomou dum cabide as calças, colete e jaqueta à espanhola, do hóspede. Examinou os bolsos e não encontrou um ceitil.
Retirou-se para um canto escuro do sobrado, e meditou. Esteve meia hora assim, e meditava angustiada a nobre rapariga. Depois ergueu-se de golpe, e conversou longo tempo com o pai. João da Cruz escutou-a, contrariou-a, mas ia de vencida sempre pelas réplicas da filha, até que, afinal, disse:
– Farei o que dizes, Mariana. Dá-me cá o teu dinheiro, que não vou agora levantar a pedra da lareira para bulir no caixote dos quatrocentos mil réis. Tanto faz um como o outro: teu é ele todo.