Mariana deu-se pressa em ir à arca, donde tirou uma bolsa de linho com dinheiro em prata, e alguns cordões, anéis e arrecadas. Guardou o seu oiro numa boceta, e deu a bolsa ao pai.
João da Cruz aparelhou a égua, e saiu. Mariana foi para a sala do doente.
Acordou Simão.
– Não sabe?! – exclamou ela com semblante entre alegre e assustado, perfeitamente contrafeito.
– Que é, Mariana?
– Sua mãezinha sabe que vossa senhoria aqui está.
– Sabe?! Isso é impossível! Quem lho disse?
– Não sei; o que sei é que ela mandou chamar meu pai.
– Isso espanta-me!… E não me escreveu?
– Não, senhor!… Agora me lembro que talvez ela soubesse que o senhor aqui esteve, e cuide que já não está, e por isso lhe não escreveu… Poderá ser?
– Poderá; mas quem lho diria!? Se isto se sabe, então podem suspeitar da morte dos homens.
– Pode ser que não; e, ainda que desconfiem, não há testemunhas. O pai disse que não tinha medo nenhum. O que for soará. Não esteja agora a cismar nisso… Vou-lhe buscar o caldinho, sim?
– Vá, se quer, Mariana. O Céu deparou-me em si a amizade de uma irmã. Não achou a moça na sua alegre alma palavras em resposta à doçura que o rosto do mancebo exprimia.
Veio com o «caldinho» – diminutivo que a retórica duma linguagem meiga sanciona; mas contra o qual protestava a larga e funda malga branca, ao lado da travessa com meia galinha loira, de gorda.
– Tanta coisa – exclamou, sorrindo, Simão.
– Coma o que puder – disse ela corando. – Eu bem sei que os senhores da cidade não comem em malgas tamanhas, mas eu não tinha outra mais pequena; e coma sem nojo, que esta malga nunca serviu, que a fui buscar à loja, por pensar que vossa senhoria não quisera ontem comer por se atrigar da outra.
– Não, Mariana, não seja injusta, eu não comi ontem pela mesma razão por que não como agora: não tinha, nem tenho vontade.
– Mas coma por eu lhe pedir… Perdoe o meu atrevimento… Faça de conta que é uma sua irmã que lhe pede. Ainda agora me disse…
– Que o Céu me dava em si a amizade duma irmã…