– Deixa ir, que não tarda quem lha faça cair ao chão!…
– Dizem que o carrasco já vem pelo caminho.
– Já chegou de noite, e trazia dois cutelos numa coifa.
– Tu viste-o?
– Não; mas disse a minha comadre que lho dissera a vizinha do cunhado da irmã, e que o carrasco está escondido numa enxovia.
– Tu hás-de levar os pequenos a ver o padecente?
– Pudera não! Estes exemplos não se devem perder.
– Eu cá por mim já vi enforcar três, que me lembre, todos por matadores.
– Por isso tu, há dois anos, não atiraste com a vida do Amaro Lampreia a casa do diabo!…
– Assim foi; mas, se eu o não matasse, matava-me ele.
– Então de que voga o exemplo?!
– Eu sei cá de que voga? O frei Anselmo dos fransciscanos é que prega aos pais que levem os filhos a verem os enforcados.
– Isso há-de ser para não o esfolarem a ele, quando ele nos esfola com os peditórios.
Tão desassombrado ia o espírito de Simão, que algumas vezes lhe esvoaçou nos lábios o sorriso, desafiado pela filosofia do povo acerca da forca.
Recolhido ao seu quarto, foi intimado para apelar, dentro do prazo legal. Respondeu que não apelava, que estava contente da sua sorte, e de boas avenças com a justiça.
Perguntou por Mariana, e o carcereiro lhe disse que a mandava chamar. Veio João da Cruz, e a chorar se lastimou de perder a filha, porque a via delirante a falar em forca, e a pedir que a matassem primeiro. Agudíssima foi então a dor do académico ao compreender, como se instantaneamente lhe fulgurasse a verdade, que Mariana o amava até ao extremo de morrer. Por momentos, se lhe esvaiu do coração a imagem de Teresa, se é possível assim pensá-lo. Vê-la-ia porventura como um anjo redimido em serena contemplação do seu Criador; e veria Mariana como o símbolo da tortura, morrer a pedaços, sem instantes de amor remunerado que lhe dessem a glória do martírio. Uma, morrendo amada; outra, agonizando, sem ter ouvido a palavra «amor» dos lábios que escassamente balbuciavam frias palavras de gratidão.