Francisco de Lucena - respondeu Bernardo com dignidade.
- E tens o atrevimento de aparecer entre pessoas de bem?
Bernardo sufocou uma resposta amarga, e fez uma continência respeitosa para retirar-se.
- Vem cá, miserável! - tornou João Leite. - Tu és o amante da filha do teu amo?
- Respeitei-a muito, por ser filha de meu amo, enquanto o servi. Hoje respeito-a, porque lhe não conheço a menor falta que a desonre!
- Nem ao menos a desonra de receber as tuas afeições, lacaio?
- Eu não lhas ofereci nunca, senhor.
- Ofereceu-tas ela, sevandija?
- Não, senhor.
- Mas ela escrevia-te...
- Sem ser criminosa, por isso...
- Então achas que não é crime escrever a um bandalho?
- Será, se V. S. o quer...
- Tenho pena de seres um réptil que faz nojo esmagar com a sola da bota! Se tivesses um nome...
- Tenho um carácter, senhor!
Bernardo respondeu com altivez; João Leite riu-se com desprezo, e olhando-o da cabeça aos pés, replicou:
- Tu sabes que não podes ter carácter, enjeitado!?
- Então, terei um braço...
- Um braço! - atalhou o fidalgo em projecto, imprimindo-lhe um valente pontapé, que o fez descer três escadas maquinalmente.
Bernardo assumira toda a dignidade do homem de coração ultrajado. João Leite achou-se comprimido entre os braços do sevandija que ele supunha fugir ao primeiro pontapé para evitar o segundo.
Quis desfazer-se, de pronto, deste empecilho, e não pôde, porque os pés falsearam-lhe, e as costas bateram-lhe com todo o peso sobre os degraus de pedra. Tirou rápido de um punhal, e roçou, com ele duas vezes sobre o braço direito de Bernardo, que o desarmou, no ato que uma terceira punhalada lhe resvalara no peito. O enjeitado sentiu-se ferido: vacilou um instante na resolução que se debatia entre o homicídio e o perdão.