O Crime do Padre Amaro - Cap. 12: Capítulo 12 Pág. 208 / 478

D. Josefa escutava-o, babosa; e numa admiração:

- Ai, senhor pároco, que até dá virtude ouvi-lo!

Amaro curvou-se:

- Deus às vezes, na sua bondade, inspira-me justas palavras... Pois, minha senhora, eu não quero maçar mais. Ficamos entendidos. A senhora fala à pequena amanhã; e se, como é de crer, ela consentir em escutar os meus conselhos, traz-ma à Sé, no sábado, às oito horas. E fale-lhe teso, D. Josefa!

- Deixe-a comigo, senhor pároco!... Então não quer provar da minha marmelada?

- Provarei, disse Amaro, tomando um ladrilho em que cravou os dentes com dignidade.

- É dos marmelos da D. Maria. Saiu-me melhor que a das Gansosinhos...

- Pois adeus, D. Josefa... Ah, é verdade, que diz o nosso cônego deste caso do escrevente?

- O mano?...

Neste momento a campainha embaixo repicou com furor.

- Há-de ser ele, disse logo D. Josefa. E vem zangado!

Vinha, com efeito, da fazenda - furioso com o caseiro, o regedor, o governo e a perversidade dos homens. Tinham-lhe roubado uma porção de cebolinho; e, abafado de cólera, aliviava-se repetindo com gozo o nome do Inimigo.

- Credo, mano, que até lhe fica mal! - exclamou D. Josefa tomada de escrúpulos.

- Ora, mana, deixemos essas pieguices para a quaresma! Digo co'os diabos! e repito co'os diabos! Mas eu lá disse ao caseiro, que se sentir gente na fazenda, carregue a espingarda e faça fogo!

- Há uma falta de respeito pela propriedade... disse Amaro.

- Há uma falta de respeito por tudo! exclamou o cônego. Um cebolinho que dava saúde só olhar para ele! Pois senhores, lá vai! Isto é o que eu chamo um sacrilégio!... Um desaforado sacrilégio! - acrescentou com convicção; porque o roubo do seu cebolinho, o cebolinho dum cônego, parecia-lhe um ato tão negro de impiedade como se tivessem sido furtados os vasos santos da Sé.





Os capítulos deste livro