O Crime do Padre Amaro - Cap. 13: Capítulo 13 Pág. 223 / 478

Duas lágrimas enevoaram os olhos de João Eduardo. Então, diante daquela expressão esmorecida, satisfeito de o ter esmagado com uma argumentação tão lógica e tão poderosa, o doutor Godinho abrandou:

- Bem, não nos zanguemos, disse. Não se fala mais em pontos de honra... O que pode acreditar é que lamento o seu desgosto.

Deu-lhe conselhos duma solicitude paternal. Que não sucumbisse; havia mais meninas em Leiria e meninas de bons princípios que não viviam sob a direção da sotaina. Que fosse forte, e que se consolasse pensando que ele, doutor Godinho - e era ele! - também tivera em moço desgostos do coração. Que evitasse o domínio das paixões que lhe seria prejudicial na carreira pública. E que se o não fizesse por seu interesse próprio, o fizesse ao menos em atenção a ele, doutor Godinho!

João Eduardo saiu do escritório, indignado, julgando-se traído pelo doutor.

- Isto sucede-me a mim, resmungava, porque sou um pobre-diabo, não dou votos nas eleições, não vou às soirées do Novais, não subscrevo para o clube. Ah, que mundo! Se eu tivesse um par de contos de réis!...

Veio-lhe então um desejo furioso de se vingar dos padres, dos ricos, e da religião que os justifica. Voltou muito decidido ao escritório, e entreabrindo a porta:

- Vossa excelência ao menos agora dá licença que eu desabafe no jornal?... Queria contar esta maroteira, cascar nessa canalha...

Esta audácia do escrevente indignou o doutor. Endireitou-se com severidade na poltrona, e cruzando terrivelmente os braços:

- O Sr. João Eduardo está realmente a abusar! Pois o senhor vem- me pedir que transforme um jornal de ideias num jornal de difamações? Vá, não se prenda! Pede-me que insulte os princípios da religião, que achincalhe o Redentor, que repita as baboseiras de Renan, que ataque as leis fundamentais do Estado, que injurie o rei, que vitupere a instituição da família! O senhor está ébrio.





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