- Oh, senhor doutor!
- O senhor está ébrio! Cuidado, meu caro amigo, cuidado, olhe que vai por um declive! É por esse caminho que se chega a perder o respeito da autoridade, da lei, das coisas santas e do lar. É por esse caminho que se vai ao crime! Escusa de arregalar os olhos... Ao crime, digo-lho eu! Tenho a experiência de vinte anos de foro. Homem, detenha-se! Refreie essas paixões. Safa! Que idade tem o senhor?
- Vinte e seis anos.
- Pois não há desculpa para um homem de vinte e seis anos ter essas ideias subversivas. Adeus, feche a porta. E escute. Escusa de pensar em mandar outro Comunicado para outro qualquer jornal. Não lho consinto, eu que o tenho protegido sempre! Havia de querer fazer espalhafato... Escusa de negar, estou-lho a ler nos olhos. Pois não lho consinto! É para seu bem, para lhe poupar uma má ação social!
Tomou uma grande atitude na poltrona, repetiu com força:
- Uma péssima ação social! Aonde nos querem os senhores levar com os seus materialismo, os seus ateísmos? Quando tiverem dado cabo da religião de nossos pais, que têm os senhores para a substituir? Que têm? Mostre lá!
A expressão embaraçada de João Eduardo (que não tinha ali, para a mostrar, um religião que substituísse a de nossos pais) fez triunfar o doutor.
- Não têm nada! Têm lama, quando muito têm palavreado! Mas enquanto eu for vivo, pelo menos em Leiria, há-de ser respeitada a Fé e o principio da Ordem! Podem pôr a Europa a fogo e sangue, em Leiria não hão-de erguer cabeça. Em Leiria estou eu alerta, e juro que lhes hei-de ser funesto!
João Eduardo recebia de ombros vergados estas ameaças, sem as compreender. Como podia o seu Comunicado e as intrigas da Rua da Misericórdia produzirem assim catástrofes sociais e revoluções religiosas?