João Eduardo entrou e sentou-se a um canto.
Tinha batido meio-dia, e a mulher estava-se queixando de ter esperado tanto: era de uma freguesia distante; deixara no mercado a irmã, e havia uma hora que o senhor doutor estava com duas senhoras! A cada momento a criança rabujava, ela sacudia-a nos braços: calavam-se depois: o velho arregaçava a calça, contemplava com satisfação uma chaga na canela envolta em trapos: e o outro homem dava bocejos desconsolados que tomavam mais lúgubre a sua longa face amarela. Aquela demora enervava, amolecia o escrevente; sentia perder gradualmente o ânimo de ocupar o doutor Gouveia; preparava laboriosamente a sua história, mas ela parecia-lhe agora bem insuficiente para o interessar. Vinha-lhe então um desalento, que as faces insípidas dos doentes tomavam ainda mais intenso. Positivamente era uma coisa bem triste esta vida, cheia só de misérias, de sentimentos traídos, de aflições, de doenças! Erguia-se; e com as mãos atrás das costas ia olhar desconsoladamente a Coroação da Rainha Vitória.
De vez em quando a mulher entreabria a porta, a espreitar se as duas senhoras ainda lá estariam. Lá estavam; e através do batente de baeta verde, que fechava o gabinete do doutor, sentia-se as suas vozes pachorrentas palrarem.
- Em caindo aqui, é dia perdido! rosnava o velho.
Também ele deixara a cavalgadura à porta do Fumaça, e a rapariga na Praça... E o que teria a esperar na botica, depois! Com três léguas ainda a fazer para voltar à freguesia!... Ser doente é bom, mas para quem é rico e tem vagares!