O doutor puxou o seu cebolão.
- Um quarto para as duas. Sê breve.
A face do escrevente exprimiu o embaraço de condensar uma narração tão complicada.
- Está bom, disse o doutor, explica-te como puderes. Não há nada mais difícil que ser claro e breve; é necessário ter gênio. Que é?
João Eduardo então tartamudeou a sua história, insistindo sobretudo na perfídia do padre, exagerando a inocência de Amélia...
O doutor escutava-o, cofiando a barba.
- Vejo o que é. Tu e o padre, disse ele, quereis ambos a rapariga. Como ele é o mais esperto e o mais decidido, apanhou-a ele. É lei natural: o mais forte despoja, elimina o mais fraco; a fêmea e a presa pertencem-lhe.
Aquilo pareceu a João Eduardo um gracejo. Disse, com a voz perturbada:
- Vossa excelência está a caçoar, senhor doutor, mas a mim retalhasse-me o coração!
- Homem, acudiu o doutor com bondade, estou a filosofar, não estou a caçoar... Mas enfim, que queres tu que eu te faça?
Era o que o doutor Godinho lhe tinha dito, também, com mais pompa!
- Eu tenho a certeza que se vossa excelência lhe falasse...
O doutor sorriu:
- Eu posso receitar à rapariga este ou aquele xarope, mas não lhe posso impor este ou aquele homem! Queres que lhe vá dizer: "A menina há-de preferir aqui o Sr. João Eduardo?" Queres que vá dizer ao padre, um maganão que eu nunca vi: "O senhor faz favor de não seduzir esta menina?"
- Mas caluniaram-me, senhor doutor, apresentaram-me como um homem de maus costumes, um patife...
- Não, não te caluniaram. Sob o ponto de vista do padre e daquelas senhoras que jogam a noite o quino na Rua da Misericórdia, tu és um patife: um cristão que nos periódicos vitupera abades, cônegos, curas, personagens tão importantes para se comunicar com Deus e para se salvar a alma, é um patife. Não te caluniaram, amigo!