O Crime do Padre Amaro - Cap. 14: Capítulo 14 Pág. 255 / 478

E enfim, possuído duma vertigem de ateísmo, atira-se, diante mesmo da catedral, sobre um sacerdote exemplar (não é por vossa senhoria estar presente) e tenta assassiná-lo! Ora, pergunto eu, o que há no fundo de tudo isto? Ódio, puro ódio à religião de nossos pais!

- Infelizmente assim é, suspirou o padre Silvério.

Mas a Amparo, indiferente às causas filosóficas do delito, ardia na curiosidade de saber o que se passaria na administração, o que diria o escrevente, se o teriam posto a ferros... O Carlos prontificou-se logo a ir averiguar.

De resto, disse ele, era o seu dever, como homem de ciência, esclarecer a justiça sobre as consequências que podia ter trazido um murro, à força de braço, na região delicada da clavícula... (ainda que, louvado Deus, não havia fratura, nem inchaço), e sobretudo queria revelar à autoridade, para que ela tomasse as suas providências, que aquela tentativa de espancamento não provinha de vingança pessoal. Que podia ter feito o senhor pároco da Sé ao escrevente do Nunes? Provinha duma vasta conspiração de ateus e republicanos contra o sacerdócio de Cristo!

- Apoiado, apoiado! disseram os dois sacerdotes gravemente.

- E é o que eu vou provar cabalmente ao senhor administrador do concelho!

Na sua precipitação zelosa de conservador indignado, ia mesmo de chinelas e quinzena de laboratório: mas Amparo alcançou-os no corredor:

- Oh filho, a sobrecasaca, põe a sobrecasaca ao menos, que o administrador é de cerimônias!

Ela mesmo lha ajudou a enfiar, enquanto o Carlos, com a imaginação trabalhando viva (aquela desgraçada imaginação que, como ele dizia, até às vezes lhe dava dores de cabeça), ia preparando o seu depoimento, que faria ruído na cidade. Falaria de pé.





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