O Crime do Padre Amaro - Cap. 14: Capítulo 14 Pág. 267 / 478

O padre Amaro disse-lhe então, com muita bondade, mostrando-se superior à injúria, num alto espirito de caridade cristã:

- Minha rica filha, são tolices... O homem não morre de fome. Ninguém morre de fome em Portugal. É novo, tem saúde, não é tolo, há-de- se arranjar... Não pense nisso... Aquilo é palavreado do padre Natário... O rapaz naturalmente sai de Leiria, não tomamos a ouvir falar dele... E em toda a parte há-de ganhar a vida... Eu por mim perdoei-lhe, e Deus há-de tomar isso em conta...

Estas palavras tão generosas, ditas baixo, com um olhar amante, tranquilizaram-na inteiramente. A clemência, a caridade do senhor pároco pareceram-lhe melhores que tudo o que ouvira ou lera de santos e de monges piedosos.

Depois do chá, ao quino, ficou junto dele. Uma alegria plena e suave penetrava-a deliciosamente. Tudo o que até aí a importunara e a assustara, João Eduardo, o casamento, os deveres, desaparecera enfim da sua vida: o rapaz iria para longe, empregar-se - e o senhor pároco ali estava, todo dela, todo apaixonado! Por vezes, por baixo da mesa, os seus joelhos tocavam-se, a tremer; num momento em que todos faziam um alarido indignado contra Artur Couceiro que pela terceira vez quinara e brandia o cartão triunfante, foram as mãos que se encontraram, se acariciaram; um pequeno suspiro simultâneo, perdido na gralhada das velhas, ergueu o peito de ambos; e até ao fim da noite foram marcando os seus cartões, muitos calados, com as faces acesas, sob a pressão brutal do mesmo desejo.

Enquanto as senhoras se agasalhavam, Amélia aproximou-se do piano para correr uma escala, e Amaro pôde murmurar-lhe ao ouvido:

- Oh filhinha, que te quero tanto! E não podermos estar sós...

Ela ia responder - quando a voz de Natário, que se embrulhava no seu capote ao pé do aparador, exclamou, muito severa:

- Então as senhoras deixam andar por aqui semelhante livro?





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