O Crime do Padre Amaro - Cap. 15: Capítulo 15 Pág. 275 / 478

A sala com efeito era toda ela uma imensa armazenagem de santaria e de bric-á-brac devoto; sobre as duas cômodas de pau-preto com fechaduras de cobre apinhavam-se, sobre redomas, em peanhas, as Nossas Senhoras vestidas de seda azul, os Meninos Jesus frisados com o ventrezinho gordo e a mão abençoadora, os Santos Antônios no seu burel, os S. Sebastiões bem frechados, os S. Josés barbudos. Havia santos exóticos, que eram o seu orgulho, que lhe fabricavam em Alcobaça - S. Pascoal Bailão, S. Didácio, S. Crisolo, S. Gorislano... Depois eram os bentinhos, os rosários de metal e de caroços de azeitonas, contas de cores, rendas amarelas de antigas alvas, corações de vidro escarlate, almofadinhas com J. M, entrelaçados a miçanga, ramos bentos, palmas de mártires, cartuchinhos de incenso. As paredes desapareciam forradas de estampas de Virgens de todas as devoções, - equilibradas sobre o orbe, enrodilhadas aos pés da cruz, traspassadas de espadas. Corações de onde gotejava sangue, corações de onde saia uma fogueira, corações de onde dardejavam raios; orações encaixilhadas para as festas particularmente amadas - o Casamento de Nossa Senhora, a Invenção da Santa Cruz, os Estigmas de S. Francisco, sobretudo o Parto da Santa Virgem, a mais devota, que vem pelas quatro têmporas. Sobre as mesas lamparinas acesas, para serem colocadas sem demora aos santos especiais, quando a boa senhora tivesse a sua ciática, ou que o catarro se assanhasse, ou lhe viessem as cãibras. Ela mesma, só ela, arrumava, espanejava, lustrava toda aquela santa população celeste, aquele arsenal beato, que era apenas suficiente para a salvação da sua alma e o alívio dos seus achaques. O seu grande cuidado era a colocação dos santos; alterava-a constantemente, porque às vezes, por exemplo, sentia que Santo Eleutério não gostava de estar ao pé de S. Justino, e ia então pendurá-lo a distância, numa companhia mais simpática ao santo.





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