O Crime do Padre Amaro - Cap. 15: Capítulo 15 Pág. 280 / 478

Devia-a ter decerto muito delicada, muito tenra... Um desejo intenso queimava-a: imaginava que era uma tentadora visitação do demônio, - e para a repelir arregalava os olhos para o sacrário e para o trono que o padre Amaro, cercado dos diáconos, incensava em semicírculos significando a Eternidade dos Louvores, enquanto o coro berrava o Ofertório... Depois ele mesmo, de pé, no segundo degrau do altar, de mãos postas, foi incensado; o Pimenta vesgo fazia ranger galhardamente as correntes de prata do turíbulo; um perfume de incenso derramava-se, como uma anunciação celeste; enevoava-se o sacrário sob os rolos alvos de fumo; e o pároco aparecia a Amélia transfigurado, quase divinizado!... Oh, adorava-o então!

A igreja tremia ao clamor do órgão em pleno; de bocas abertas, os coristas solfejavam a toda a força; em cima, alçando-se entre os braços dos rabecões, o mestre da capela, no fogo da execução, brandia desesperadamente a sua batuta feita dum rolo de cantochão.

* * *

Amélia saiu da igreja muito fatigada, muito pálida.

Ao jantar, em casa do cônego, a Sra. D. Josefa censurou-a repetidamente de "não dar palavra".

Não falava, mas debaixo da mesa o seu pezinho não cessava de roçar, pisar o do padre Amaro. Como escurecera cedo tinham acendido as velas; o cônego abrira uma garrafa, não do seu famoso duque de 1815, mas do "1847", para acompanhar a travessa de aletria que enchia o centro da mesa, com as iniciais do pároco desenhadas a canela; era, como explicara o cônego, "uma galantaria da mana ao convidado". Amaro fizera logo uma saúde com o 1847 "á digna dona da casa". Ela resplandecia, medonha no seu vestido de barege verde. O que sentia é que o jantar fosse tão mau... Que aquela Gertrudes estava-se a fazer uma desleixada... Ia-lhe deixando esturrar o pato com macarrão!





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