- Oh, minha senhora, estava delicioso! protestou o pároco.
- São favores do senhor pároco. É porque eu lhe acudi a tempo... Mais uma colherzinha de aletria, senhor pároco.
- Nada mais, minha senhora, tenho a minha conta.
- Então para desgastar, vá mais esse copito do 47, disse o cônego.
Ele mesmo bebeu pausadamente um bom gole, deu um ah de satisfação, e repoltreando-se:
- Boa gota! assim pode-se viver!
Estava já rubro, e parecia mais obeso, com o seu grosso jaquetão de flanela e o guardanapo atado ao pescoço.
- Boa gota, repetiu, deste não provou hoje você nas galhetas.
- Credo, mano! exclamou D. Josefa com a boca cheia de fios de aletria, muito escandalizada da irreverência.
O cônego encolheu os ombros com desprezo.
- O credo é para a missa! Esta pretensão de se meter sempre em questões que não percebe! Pois fique sabendo que é duma grande importância a questão da qualidade do vinho, na missa. É que é necessário que o vinho seja bom...
- Concorre para a dignidade do santo sacrifício, disse o pároco muito sério, fazendo uma carícia de joelho a Amélia.
- E não é só isso, disse o cônego tomando logo o tom de pedagogo. É que o vinho, quando não é bom ou tem ingredientes, deixa um depósito nas galhetas; e, se o sacristão não é cuidadoso e não as limpa, as galhetas ganham um cheiro péssimo. E sabe a senhora o que acontece? Acontece que o sacerdote, quando vai a beber o sangue de Nosso Senhor Jesus Cristo, não está prevenido e faz-lhe uma careta. Ora aí tem a senhora!
E deu um forte chupão ao cálice. Mas estava falador nessa noite, e depois de arrotar devagar, interpelou de novo D. Josefa, assombrada de tanta ciência.
- E diga-me lá então a senhora, já que é tão doutora. O vinho, no divino sacrifício, deve ser branco ou tinto?