O Crime do Padre Amaro - Cap. 18: Capítulo 18 Pág. 329 / 478

- Decerto, decerto há prodígios, disse o abade. Negar que Deus ou a Rainha do Céu possa aparecer a uma criatura, é contra a doutrina da Igreja... Negar que o demônio possa habitar o corpo de um homem, seria estabelecer um erro funesto... Aconteceu a Jó, sem ir mais longe, e à família de Sara. Está claro, há prodígios. Mas que raríssimos que são, cônego Dias!

Calou-se um momento olhando o cônego, que tapava o nariz com rapé em silêncio - e continuou mais baixo, com o olho brilhante e fino:

- E depois não tem o colega notado que é uma coisa que só sucede às mulheres? É só a elas, cuja malícia é tão grande que o próprio Salomão não lhes pôde resistir, cujo temperamento é tão nervoso, tão contraditório, que os médicos não as compreendem. É só a elas que sucedem prodígios!... O colega já ouviu de ter aparecido a nossa Santa Virgem a um respeitável tabelião? Já ouviu dum digno juiz de direito possuído do espírito maligno? Não. Isto faz refletir... E eu concluo que é malícia nelas, ilusão, imaginação, doença, etc... Não lhe parece? A minha regra nesses casos é ver tudo isso de alto e com muita indiferença.

Mas o cônego, que vigiava a porta, brandiu subitamente o guarda-sol, fazendo pari o largo:

- Pst, pst! Eh lá!

Era Amélia que passava. Parou logo, contrariada daquele encontro que a ia ainda retardar mais. E já o senhor pároco devia estar desesperado...

- De modo que, disse o cônego à porta abrindo o seu guarda-sol, você, abade, em lhe cheirando a prodígio...

- Suspeito logo escândalo.

O cônego contemplou-o um momento, com respeito:

- Você, Ferrão, é capaz de dar quinaus a Salomão em prudência!





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