O cónego lá estava a um canto, aniquilado, sucumbido com aquela brusca aparição da doença e do seu cenário melancólico - as garrafadas de botica enchendo as mesas, as entradas solenes do médico, as faces compungidas que vêm saber se há melhoras, o hálito febril espalhado em toda a casa, o timbre funerário que toma o relógio de parede no abafamento de todo o ruído, as toalhas sujas que ficam dias no lugar em que caíram, o anoitecer de cada dia com a sua ameaça de treva eterna... De resto, um pesar sincero prostrava-o; havia cinquenta anos que vivia com a mana e era animado por ela; o longo hábito tomara-lha cara; e as suas caturrices, as suas toucas negras, o seu espalhafato pela casa faziam como uma parte mesma do seu ser... Além disso, quem sabe se a morte, entrando-lhe em casa, para poupar passos, o não levaria também!...
Para Amélia aquele tempo foi um alívio; ao menos ninguém pensava, ninguém reparava nela; nem a sua face triste e os vestígios de lágrimas pareceriam estranhos, naquele perigo em que estava a madrinha. Demais, os serviços de enfermeira ocupavam-na: como era a mais forte e a mais nova, agora que a S. Joaneira estava estafada de vigílias, era ela que passava as longas noites à beira de D. Josefa: e não havia então desvelos que não tivesse, para abrandar Nossa Senhora e o Céu com aquela caridade pela doente, para merecer igual piedade quando o seu dia viesse de estar também prostrada num leito... Vinha-lhe agora, sob a impressão fúnebre que se exalava da casa, o pressentimento repetido que morreria de parto: às vezes só, embrulhada no seu xale aos pés da doente, ouvindo-lhe o gemer monótono, enternecia-se sobre a sua própria morte que julgava certa, e molhavam-se-lhe os olhos de lágrimas, numa saudade vaga de si mesma, da sua mocidade e dos seus amores...