Voltava para casa mais triste, - e a sua longa noite começava, infindável. Tentava ler; mas ao fim das dez primeiras linhas bocejava de tédio e de fadiga. às vezes escrevia ao cónego. às nove horas, tomava chá; e depois era um passear sem fim pelo quarto fumando maços de cigarros, parando à janela a olhar a negrura da noite, lendo aqui e além uma notícia ou um anúncio do Popular, e recomeçando a passear com bocejos tão cavos que a criada os ouvia na cozinha.
Para entreter as noites melancólicas, e por um excesso de sensibilidade ociosa, tentara fazer versos, pondo o seu amor e a história dos dias felizes nas fórmulas conhecidas da saudade lírica:
Lembras-te desse tempo de delícias,
Ó anjo feiticeiro, Amélia amada,
Quando tudo era risos e ventura
E a vida nos corria sossegada?
Lembras-te dessa noite de poesia
Em que a Lua brilhava pelos céus
E nós unindo as almas, ó Amélia,
Erguemos nossa prece para Deus?...
Mas a despeito de todos os esforços nunca passara destas duas quadras - apesar de as ter produzido com uma facilidade prometedora - como se o seu ser contivesse apenas estas duas gotas isoladas de poesia, e, soltas elas à primeira pressão, nada mais restasse senão a seca prosa do temperamento carnal.
E esta existência vazia relaxara-lhe tão sutilmente todo o maquinismo da vontade e da ação, que qualquer trabalho que lhe pudesse encher a fastidiosa concavidade das horas infindáveis, era-lhe odioso como o peso dum fardo injusto. Preferia ainda os tédios da ociosidade aos tédios da ocupação.